sábado, 24 de abril de 2010

Assisti o filme "O solista", muito bom por sinal. Interessa a todo o pública, mas especialmente aos trabalhadores e usuários de saúde mental.

Trata-se do personagem Nathaniel que desde a infância mostra interesse pela música, que parece de alguma forma confortá-lo diante das vivências alucinatórias.
As vozes que o atormentam tem conteúdo pejorativo, o menosprezam. Isto faz com que ele não consiga tocar diante de uma platéia, que desencadeia nele um sentimento de que está sendo perseguido ou que alguém que lhe fazer mal.
Num certo dia quando a mãe vai até o porão, onde ele se esconde dos outros para tocar violoncelo, o que já evidencia um dos sintomas negativos da esquizofrenia, ele pensa que a sopa que ela está trazendo está envenenada. A partir daí vai viver nas ruas.
Reconhece a rua como seu território, ali não se sente invadido, toca para "as pombas aplaudirem" e cuida de manter seu "lar", um túnel, limpo, muitas vezes se colcando em risco para tal.
Leva sua vida ignorado pelos que passam, até que um jornalista do LA Times o encontra e, tocado pela música daquele desconhecido sem-teto, se interessa por sua história. Ao se apresentar não como um outro absoluto, invasivo, e sim como alguém que se coloca na função de ajudá-lo, secretariá-lo, consegue fazer com que Nathaniel lide melhor com sua condição subjetiva.

segunda-feira, 19 de abril de 2010



Será realizado na UERJ o II Congresso Brasileiro de Saúde Mental dia 03 a 05 de junho de 2010. Estão abertas as inscrições de no congresso e também as inscrições de trabalho.

Acredito que vai ser um espaço bem legal de discussão e construção na área da saúde mental, acerca das práticas, cuidados e fazeres, política pública de saúde mental, e questões sociais e culturais que envolvam os usuários e técnicos dos serviços.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Divulgo uma entrevista muito interessante que Jacques-Alain Miller deu a revista Le Point, sobre o filme Avatar, que foi sucesso de bilheteria em diversos países.

Jacques-Alain Miller, é psicanalista em Paris e dirige o Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris VIII, na França. Fundou a Associação Mundial de Psicanálise (AMP) e foi seu primeiro delegado geral. É o responsável pelo estabelecimento de texto dos Seminários e outros artigos de Lacan.



Publicada em 25/02/2010 N°1953 Le Point


ENTREVISTA COM Jacques-Alain Miller

«Seu olho é capturado enquanto sua cabeça é posta para dormir»
Entrevista feita por Christophe Labbé e Olivia Recasens


Le Point : « Avatar » é um sucesso planetário. O que fez com que a humanidade inteira fosse ver esse filme?
Jacques-Alain Miller : Sua debilidade. Este efeito de debilidade é habilmente obtido cindindo pensamento e percepção. O cenário é um pot-pourri de mitos imemoráveis, de arquétipos banais e clichês New Age, feitos para dar, a todo momento, uma impressão de déjà-vu. Resultado: o senso crítico é adormecido, paralisado, o pensamento retorna facilmente a sua rotina. No entanto, em termos de imagem, é a festa, o jogo do artifício, do jamais-vu. O elemento simbólico do filme é tão arcaico quanto sua imaginação é futurista. A tecnologia se apoia no braço da mitologia, a parceria é irresistível
Adolescentes ficam orgulhosos em dizer que já viram «Avatar», 2, 3, 5, 10 vezes...
Seu olho é capturado, super excitado, e ele goza, portanto, mais intensamente, de modo que sua cabeça é adormecida. Quando o gozo do olho é tão intenso, ele se torna aditivo. Encontra-se aqui, a mesma síndrome que foi isolada com os vídeo games ou com a Internet. A humanidade está envolvida, abandonada a essa nova bebida.
Como o Sr. explica isso?
A debilidade mental do ser humano tende, precisamente, a isso que ele vê sempre, sob dois planos, ao mesmo tempo, real e imaginário, ser e dever-ser: ele sonha sua vida com os olhos abertos. Este dado antropológico, as novas tecnologias se apoderam para manipular seu sonho, acordado, com uma precisão e uma habilidade, até aqui, inéditas. Isto é apenas um começo.
O cinema tem sempre ofertado identificações ao espectador.
«Avatar» explora um além do cinema. Não se trata apenas de identificação, sempre pontual, baseada num traço singular, mas de uma imersão psicossomática em um universo. O cenário exibe também a mola: a alma do herói tetraplégico desliza em outro corpo para dar cambalhotas em outro mundo, enquanto o espectador se aloja arriado em sua cadeira.
É esse o filme que nossa época espera?
Seu sucesso mostra que a humanidade acaba de se desgostar da espécie humana. Não estamos mais no «mal estar na civilização» denunciado por Freud, mas claramente, num impasse crescente. O salve-se quem puder é geral. Num momento em que a globalização do capitalismo exacerba o individualismo, a competição, o cada um por si, como foi dito, que cerca de auréola, de uma docilidade imaginária, a natureza, a animalidade. Aspira-se um comunismo primitivo autoritário, sob a forma de um tribalismo quase vegetal.
Os neoconservadores americanos são, com efeito, hostis ao filme. Mas, o Vaticano também.
Porque «Avatar» é o toque de clarim de uma ressurreição pagã. Estes longos corpos azuis, sinuosos e sensuais, é uma entrada sedutora na era da pós-humanidade. O homem deseja tornar-se um produto de síntese. Amanhã, a engenharia biológica, o gênio genético farão desse sonho, realidade, e pesadelo.
Por que o azul?
É a cor do «supremo Clarim, pleno de sons estridentes estranhos, silêncios atravessando Mundos e Anjos», de que fala Rimbaud. A noite de Pierre Soulages lhe reenvia a sua dor de existir; o azul de «Avatar», sua luxúria sensorial, lhe anestesia. A escolha é límpida.
Tradução: Mª Cristina Maia



terça-feira, 6 de abril de 2010

A psicanálise e os "novos sintomas"

Apesar de ser um tema muito discutido na atualidade, as toxicomanias permanecem como um desafio para a clínica psicanalítica porque expressam uma formação sintomática diferente daquela submetida ao inconsciente. Estamos inclinados a considerá-las um fenômeno que deixa em suspenso o sintoma e produz uma ruptura nas estruturas de ficção de verdade e do real, por conta do curto-circuito pulsional que a droga opera.
Deste modo, a toxicomania é considerada, na atualidade, como a forma princeps dos “novos sintomas”, e acarreta para os analistas e profissionais de saúde uma dificuldade no diagnóstico diferencial, na medida em que as estruturas clínicas são mascaradas pelo objeto-droga e o toxicômano apresenta resistência ao tratamento clínico, como efeito de uma falta de demanda e dificuldade de estabelecimento da relação transferencial.
Miller[1] retoma o texto “Inibição, sintoma e angústia” no Seminário intitulado "O parceiro-sintoma". Ele se esforça em definir a categoria de sintoma no ensino de Lacan e o situa em relação ao simbólico, ao imaginário e ao real. O autor localiza quatro momentos distintos de formulação do sintoma. Se no primeiro ensino de Lacan, o sintoma era considerado, de maneira similar a Freud, como uma formação do inconsciente, o sintoma passa a ser considerado, num segundo momento, ao lado do real, não mais como uma formação de compromisso, e sim de ruptura com os semblantes. O sintoma pode ainda ser um mediador entre semblante e o real ou entrar como o quarto elemento na série imaginário, simbólico e real, como o que faz amarração dos três registros.
Deste modo, percebemos uma mudança fundamental em relação à definição clássica do sintoma freudiano, que defendia como chave do sintoma a castração, pois Lacan define o sintoma como modo de gozo, como um meio da pulsão expressar a impossibilidade de sua satisfação plena, impossível de se decifrar.
A toxicomania se inclui nos “novos sintomas”, já que se apresenta de uma nova forma, não mais como retorno do recalcado, mas como uma ruptura com o que Lacan definiu como discurso do mestre, equivalente ao discurso do inconsciente. O imperativo do discurso da ciência e do capitalismo, na atualidade, precipita o surgimento de “novos sintomas”, que não obedecem, em sua essência, a definição do que representa, classicamente, um sintoma analítico. São os objetos produzidos pelo discurso da ciência e do capitalismo, e não mais o Outro, que assumem o lugar de ideal para o sujeito.
Esse panorama, acerca das diferentes funções da droga para os sujeitos, nos coloca as dificuldades na direção do tratamento, que apontam tanto para um trabalho de restituição do Outro, como para o esforço clínico de criação da demanda e resgate do sujeito do inconsciente. É preciso, deste modo, um percurso clínico para que o toxicômano reconheça, para além do fenômeno que provavelmente o trouxe para o atendimento, o sintoma do qual padece. Trata-se, então, de substituir o “novo sintoma”, a toxicomania, que não está submetida à estrutura de linguagem, pelo sintoma analítico: de situar a diferença entre o excesso decorrente do uso da droga e o que faz sintoma para o sujeito.
[1] MILLER, J.-A. - El partenaire-síntoma. Buenos Aires: Paidós, 2008
*Este texto foi extraido do meu trabalho intitulado "Toxicomania e Semblante", publicado nos anais da XIX Jornadas Clínicas da EBP-RJ e ICP-RJ, em 2009.