terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O conceito de Supereu em Freud

Freud empreende uma análise do supereu desde o início de suas investigações sobre o aparelho psíquico, na medida em que procurava compreender a clínica da neurose e o processo do recalque que estava na base da formação sintomática. Podemos encontrar as primeiras referências ao supereu no texto “A interpretação dos sonhos” (1900-1901). Freud apresenta ali o esquema do primeiro aparelho psíquico composto pelos sistemas consciente, pré-consciente e inconsciente. Segundo ele, a entrada dos estímulos acontece pela via da percepção, e o de resposta, ou descarga, pela via motora. O pré-consciente situa-se na extremidade motora e o inconsciente se localiza entre este e os traços mnêmicos. Ao passo que a consciência representa uma dupla superfície sensorial, uma voltada para a percepção e a outra para o pensamento (ibidem, p. 603).
 
 O inconsciente não é descrito como uma mera oposição à vigília ou ao consciente, mas como um sistema primitivo e amplo que engloba o consciente. O inconsciente se separa do consciente por uma tela – o sistema pré-consciente – e alcança a consciência somente após deformação da censura. A censura é definida como uma “instância crítica” que, apesar de se localizar entre os sistemas inconsciente e consciente, permanece mais ao lado deste último, na extremidade motora do aparelho, onde também se encontra o pré-consciente. Trata-se de uma instância crítica porque exerce a função de censor do eu ou da consciência (ibidem, p. 537).

Com o objetivo de demonstrar a existência do supereu, Freud (ibidem, p. 541-542) apresenta a análise de um sonho no qual havia algo mais além da mera realização de desejo: o sonho de um pai que velava o filho morto. O homem se encontrava num quarto ao lado do filho morto e deixara um velho vigiando o corpo do menino. Em algum momento o pai adormece e sonha que o filho está de pé ao seu lado e lhe diz “Pai, não vês que estou queimando?”. Nesse momento o homem desperta e vê que realmente o corpo do filho estava queimando por conta de uma vela que caíra sobre ele enquanto o velho que o vigiava dormira. Esse sonho corrobora a tese de que o sonho é uma realização de desejo – na medida em que no sonho o filho se encontrava vivo –, porém aponta um novo elemento: o sentimento de culpa (ibidem, p. 587). Por isso podemos localizar na análise desse sonho os antecedentes do conceito do supereu, tal como Freud (ibidem) assinala em uma nota de rodapé acrescentada ao texto em 1930: “este seria o local apropriado para uma referência ao ‘superego’, uma das descobertas posteriores da psicanálise – Uma classe de sonhos que constitui uma exceção à ‘teoria do desejo’”.

Lacan (1964, p. 60) destaca que, apesar do sonho analisado por Freud confirmar a teoria do desejo –, pois o filho está vivo e o pai pode continuar dormindo –, este também aponta para a existência de algo além da fantasia e para o “pecado do pai”, que é não estar à altura de sua função de velar o filho morto:

O filho morto, pegando o pai pelo braço, visão atroz, designa um mais-além que se faz ouvir no sonho. O desejo aí se presentifica pela perda imajada ao ponto mais cruel, do objeto. É no sonho somente que se pode dar a esse encontro verdadeiramente único. Só um rito, um ato sempre repetido, pode comemorar esse encontro imemorável.


Por outro lado vale destacar que a definição do supereu – enquanto instância crítica que faz emergir o sentimento de culpa – permaneceu durante algum tempo pouco desenvolvida na obra freudiana. Somente no artigo “Sobre o narcisismo: uma introdução” Freud (1914) nomeia essa instância crítica como responsável pela observação e auto-censura do ideal do eu. Até então Freud considerava o supereu como uma instância repressora e reguladora das satisfações pulsionais, regulação esta operada pelos princípios do prazer e da realidade.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Considerações sobre a Letra e o Significante

Segundo Lacan, em O seminário, livro 20: mais, ainda (1972-73), a Letra é o suporte material do significante. O conceito de Letra  apresentado por Lacan no Seminário 20 não é o mesmo daquele descrito no texto A instância da Letra, em que ele não distinguia o conceito de letra do conceito de significante.

A partir do segundo ensino de Lacan, a letra passa a caracterizar o significante em sua materialidade, e possibilita, deste modo, a escrita, que vêm em suplência a não relação sexual, ou seja, a escrita - dos discursos e das fórmulas da sexuação - são tentativas de dar conta daquilo que não se inscreve, de algo que é da ordem do impossível, o real.

Em Lituraterra, texto de 1971 presente em Outros Escritos, Lacan marca a diferença entre letra e significante ao afirmar que a letra comporta a dimensão do lixo. Para tal utiliza o equívoco com que James Joyce deslizou de a letter para a litter. Lacan utiliza o termo lixo como equivalente ao resto. A letra é, portanto, o que contorna o furo, ou melhor, contorna o resto, que é esse algo do real que não se inscreve simbolicamente “A borda do furo no saber, não é isso que ela (letra) desenha? E como é que a psicanálise, se justamente o que a letra diz por sua boca ‘ao pé da letra’ não lhe conveio desconhecer, como poderia a psicanálise negar que ele existe, esse furo, posto que, para preenchê-lo, ela (letra) recorre a invocar nele o gozo?” (1071, p.18).

Por fim, Lacan se vale do conceito de Letra para formalizar o Discurso, em O seminário, livro 17: avesso da Psicanálise. A concepção de discurso surge, então, como um corte, um discurso sem palavras. O discurso é sem palavras porque são as letras, suporte material do significante, que operam nos discursos, ou seja, a escrita não é do mesmo registro que o significante, do mesmo campo da linguagem, ou da significação.

E a partir de uma estrutura discursiva Lacan localiza ali a relação do sujeito com o saber, com o objeto e com os significantes. Assinala também a existência de quatro discursos: o discurso do mestre, da histérica, da universidade e do analista, que são fundamentais para entendermos qual o lugar do sujeito nesses diferentes discursos e como a partir de uma inversão na relação do sujeito com o objeto surge um quinto discurso, o discurso do capitalista que passa a reger as novas formações sintomáticas.