domingo, 23 de julho de 2017

Considerações sobre a sexualidade feminina




Desde Freud a questão da feminilidade, era definida como um algo obscuro. Em “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, de 1905, Freud afirmava que a vida sexual das mulheres “ainda se encontra mergulhada em impenetrável obscuridade”.
Em sua conferência sobre a feminilidade, Freud assinala que “através da história, as pessoas têm quebrado a cabeça com o enigma da natureza da feminilidade” “aquilo que constitui a masculinidade ou a feminilidade é uma característica desconhecida que foge do alcance da anatomia”.
A diferença entre a sexualidade masculina e feminina e sua posição na partilha sexual é apresentada por Freud a partir do declínio, ou saída, do complexo de Édipo.
Segundo Freud, a organização sexual de meninos e meninas não se dá de forma semelhante. Apesar de tanto no menino como na menina o primeiro objeto de amor ser a mãe, no menino o complexo de Édipo é destruído pela ameaça de castração, ou seja, relação dual, imaginária, menino-mãe é destruída pela ameaça de castração. Isso ocorre com a entrada do Pai barrando essa relação incestuosa e retirando o menino da posição de objeto de desejo materno.
Mas como fica o complexo de Édipo e sua dissolução no caso das meninas? O que ocorre para que elas abandonem a mãe e tomem o pai como objeto?
A menina ao notar o pênis de um irmão ou colega faz seu juízo e toma sua decisão num instante. Ela o viu, sabe que não o tem e quer tê-lo (inveja do pênis). Desse modo, a libido da menina desliza para uma nova posição. “Ela abandona seu desejo de um pênis e coloca em seu lugar o desejo de um filho; com esse fim em vista toma o pai como objeto de amor. A mãe se torna objeto de seu ciúme”.
Sendo assim, de modo contrário ao que ocorre nos meninos, nas meninas o complexo de Édipo é posterior ao complexo de castração . Com a castração a menina passa do amor para a raiva da mãe, e toma como novo objeto de amor o pai.
Há, assim, três saídas possíveis do complexo de Édipo para a menina:
1. Inibição sexual ou neurose: é caracterizado, sobretudo, por uma atitude de desvalorização da menina em relação à mãe, à medida que constata sua falta de pênis. Assim, como conseqüência última, ocorre o recalque, por parte da menina, de grande parte de suas inclinações sexuais.
2. Complexo de masculinidade: a menina se recusa a reconhecer a falta de pênis materno e, conseqüentemente, sua própria falta. Acentua-se sua masculinidade prévia, apegando-se a uma atividade clitoridiana e refugiando-se numa identificação com sua mãe fálica ou com seu pai. Apresenta um sentimento de inferioridade, o ciúme feminino, o afrouxamento da ligação da mãe enquanto objeto, além da intensa reação contra a masturbação clitoridiana.
3. Feminilidade normal: capacidade da mulher em proceder a um deslizamento simbólico, abrindo mão do objeto materno e se dirigindo ao pai, ao qual endereça seu desejo por um filho. No pai ela procura inicialmente o pênis que a mãe lhe recusou, e depois o desejo do pênis é substituído pelo desejo de um bebê.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Pontuações sobre o texto de Freud (1905) “Os chistes e sua relação com o inconsciente”



Como podemos entender a dimensão do prazer presente nos chistes?

Para respondermos essa pergunta iremos nos apoiar no texto de Freud (1905) “Os chistes e sua relação com o inconsciente”, especificamente sobre o capítulo IV que trata do mecanismo do prazer e a psicogênese dos chistes, e em O seminário, livro 5: as formações do inconsciente, de Lacan (1957-58), onde recorremos ao capítulo V a fim de abordar a questão do pouco de sentido e do passo-de-sentido.
No primeiro texto, Freud investiga os efeitos de prazer provocados pelos chistes. Ele diz que os chistes promovem uma suspensão da inibição, ou seja, do recalque. Para tal, cita o exemplo de um chiste de Herr N. no qual um indivíduo ao contar de sua viagem para um amigo diz: “Viajei com ele Tetê-a-bête”. Por meio de tal formação do inconsciente ele revela que viajou com um indivíduo e que este era uma besta.
Freud (1905, p.116) afirma que o mecanismo dos chistes consiste na remoção de um obstáculo interno que tem como efeito o prazer, enquanto que em relação ao obstáculo externo evita-se o aparecimento de uma nova inibição. Segundo ele, para se manter ou erigir uma inibição psíquica tem-se uma despesa psíquica, de modo que a “produção de prazer corresponde à despesa psíquica que é economizada” (ibidem).
Freud também destaca o prazer presente no nonsense, elemento presente no que ele define como outra técnica de chistes que compreende o absurdo. Segundo ele podemos observar a presença do nonsense no comportamento da criança na aprendizagem da língua, em que sua brincadeira com as palavras consiste em sua reunião sem respeito às regras de que façam um sentido, visando somente obter efeito gratificante de ritmo ou rima.
Lacan (1957-58, p. 88), retomando o texto de Freud, localiza na brincadeira infantil a origem primitiva do prazer, na medida em que ali as palavras remetem à aquisição da linguagem como puro significante. Da mesma forma encontramos nos chistes esse caráter primitivo do significante em relação ao sentido, ou seja, “o toque de arbitrariedade que ele traz para o sentido” (ibidem, p. 89).
Se Freud assinala que além do jogo de palavras o prazer em um chiste deriva da liberação do nonsense, Lacan propõe um acréscimo ao afirmar que o chiste causa impacto primeiro pelo nonsense e depois pelo aparecimento de algum sentido secreto. Ou seja, a entrada do nonsense é a entrada do objeto, do real.
Os chistes são formas do aparelho psíquico tentar gozar através da suspensão da inibição, do levantamento do recalque, que promove a surpresa e o riso. O mesmo trabalho psíquico que suspende a inibição é o que provoca o riso.
Freud (1905, p. 129) já chamava atenção aos efeitos dos chistes sobre aquele que escuta – o Outro –, ao assinalar: “Devíamos tentar estudar o fenômeno psíquico dos chistes com referência a sua distribuição entre duas pessoas. Faremos uma sugestão provisória de que o processo psíquico provocado pelo chiste no ouvinte reproduz em muitos casos aquele que ocorre em seu criador”.
Contudo, é Lacan que destaca que o prazer no chiste está na ratificação da mensagem pelo Outro. A mensagem provoca o riso quando aponta para-além da mensagem, ou seja, para a insatisfação. Lacan localiza o chiste no circuito entre a mensagem e o Outro, justamente onde está o circuito rotativo do inconsciente. Ele se vale do conceito de demanda para assinalar como esta se forma a partir do Outro, e para afirmar, ainda, que no circuito Outro-mensagem é que a demanda se consuma como mensagem.
Assim, o chiste só se completa quando o Outro acusa seu recebimento, responde a ele e o autentica como tal, percebendo um sentido mais-além. Desse modo, quando o sujeito comunica ao Outro um chiste percorre-se a dimensão metonímica do pouco-sentido, que ao ser acolhido permite que o Outro o transforme em passo-de-sentido e que o “prazer se consuma para o sujeito” (Lacan, 1957-58, p. 104).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREUD, S. (1905) “Os chistes e sua relação com o inconsciente”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. VIII, 1996.
LACAN, J. (1957-58) O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.