Como
podemos entender a dimensão do prazer presente nos chistes?
Para
respondermos essa pergunta iremos nos apoiar no texto de Freud (1905) “Os chistes
e sua relação com o inconsciente”, especificamente sobre o capítulo IV que
trata do mecanismo do prazer e a psicogênese dos chistes, e em O seminário, livro 5: as formações do
inconsciente, de Lacan (1957-58), onde recorremos ao capítulo V a fim de abordar
a questão do pouco de sentido e do passo-de-sentido.
No
primeiro texto, Freud investiga os efeitos de prazer provocados pelos chistes.
Ele diz que os chistes promovem uma suspensão da inibição, ou seja, do
recalque. Para tal, cita o exemplo de um chiste de Herr N. no qual um indivíduo
ao contar de sua viagem para um amigo diz: “Viajei com ele Tetê-a-bête”. Por
meio de tal formação do inconsciente ele revela que viajou com um indivíduo e
que este era uma besta.
Freud
(1905, p.116) afirma que o mecanismo dos chistes consiste na remoção de um
obstáculo interno que tem como efeito o prazer, enquanto que em relação ao
obstáculo externo evita-se o aparecimento de uma nova inibição. Segundo ele,
para se manter ou erigir uma inibição psíquica tem-se uma despesa psíquica, de
modo que a “produção de prazer corresponde à despesa psíquica que é
economizada” (ibidem).
Freud
também destaca o prazer presente no nonsense,
elemento presente no que ele define como outra técnica de chistes que
compreende o absurdo. Segundo ele podemos observar a presença do nonsense no comportamento da criança na
aprendizagem da língua, em que sua brincadeira com as palavras consiste em sua
reunião sem respeito às regras de que façam um sentido, visando somente obter
efeito gratificante de ritmo ou rima.
Lacan
(1957-58, p. 88), retomando o texto de Freud, localiza na brincadeira infantil
a origem primitiva do prazer, na medida em que ali as palavras remetem à
aquisição da linguagem como puro significante. Da mesma forma encontramos nos
chistes esse caráter primitivo do significante em relação ao sentido, ou seja,
“o toque de arbitrariedade que ele traz para o sentido” (ibidem, p. 89).
Se
Freud assinala que além do jogo de palavras o prazer em um chiste deriva da
liberação do nonsense, Lacan propõe
um acréscimo ao afirmar que o chiste causa impacto primeiro pelo nonsense e depois pelo aparecimento de
algum sentido secreto. Ou seja, a entrada do nonsense é a entrada do objeto, do real.
Os
chistes são formas do aparelho psíquico tentar gozar através da suspensão da
inibição, do levantamento do recalque, que promove a surpresa e o riso. O mesmo
trabalho psíquico que suspende a inibição é o que provoca o riso.
Freud
(1905, p. 129) já chamava atenção aos efeitos dos chistes sobre aquele que
escuta – o Outro –, ao assinalar: “Devíamos tentar estudar o fenômeno psíquico
dos chistes com referência a sua distribuição entre duas pessoas. Faremos uma
sugestão provisória de que o processo psíquico provocado pelo chiste no ouvinte
reproduz em muitos casos aquele que ocorre em seu criador”.
Contudo,
é Lacan que destaca que o prazer no chiste está na ratificação da mensagem pelo
Outro. A mensagem provoca o riso quando aponta para-além da mensagem, ou seja,
para a insatisfação. Lacan localiza o chiste no circuito entre a mensagem e o
Outro, justamente onde está o circuito rotativo do inconsciente. Ele se vale do
conceito de demanda para assinalar como esta se forma a partir do Outro, e para
afirmar, ainda, que no circuito Outro-mensagem é que a demanda se consuma como
mensagem.
Assim,
o chiste só se completa quando o Outro acusa seu recebimento, responde a ele e
o autentica como tal, percebendo um sentido mais-além. Desse modo, quando o
sujeito comunica ao Outro um chiste percorre-se a dimensão metonímica do pouco-sentido,
que ao ser acolhido permite que o Outro o transforme em passo-de-sentido e que
o “prazer se consuma para o sujeito” (Lacan, 1957-58, p. 104).
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
FREUD,
S. (1905) “Os chistes e sua relação com o inconsciente”. In: Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas
de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. VIII, 1996.
LACAN,
J. (1957-58) O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.