Resenha das preparatórias do V ENAPOL
Dia: 15 de abril, 18h30
Local: Maison de France - Av. Presidente Antônio Carlos, 58/11° andar – Castelo - RJ
Com: Ana Lúcia Lutterbach e Paula Borsói
Coordenação: Luis Moreira Barros
Paula Borsói inicia o debate ao retomar a discussão que ocorreu na última segunda-feira na sede da EBP-RJ sobre o massacre numa escola em Realengo.
Diante desses acontecimentos, em que a palavra fica perdida em detrimento das ações, ou melhor, da passagem ao ato, como a psicanálise se posiciona diante disso?
A psicanálise pura se aproxima da psicanálise aplicada, na medida em que nos permite fundamentar uma discussão sobre está temática. Assim, Paula Borsói cita Lacan, que ao retomar os estudos de Freud, pôde definir o inconsciente estruturado como uma linguagem, até alcançar as proposições sobre o Real, Simbólico e Imaginário – RSI. A psicanálise como impossível, se coloca como tal na medida em que há um ponto irredutível do sintoma.
Chamados a nos posicionar diante desta tragédia, nós, enquanto psicanalistas que trabalham na saúde mental, enquanto analista-cidadão, o que podemos aí?
Paula Borsói pontua que não devemos permitir que esta tragédia vire um circo, ou seja, devemos evitar que atitudes narcisistas tomem o lugar de atitudes solidárias. Assim, a loucura que estrutura, tema do presente debate, seria algo que permite ao sujeito levar a vida, num pólo diametralmente oposto da passagem ao ato.
O debate teve seqüência com a fala de Ana Lúcia Lutterbach, que buscou localizar alguns pontos do V Enapol, na medida em que os trabalhos a serem apresentados no evento irão trabalhar a questão do que a psicanálise, ou o psicanalista, pode nesse novo contexto social.
Ana Lúcia Lutterbach assinala que a psicanálise tem um pouco mais de 100 anos, diferente da filosofia ou da literatura. Destaca três pontos na história da psicanálise: a diáspora, a reconquista e a invenção. A diáspora localiza que a psicanálise deixou sua pátria tentando se adaptar a língua do outro, e que, desta forma, se egoizou.
Lacan se deteve nisso que havia se perdido, através do resgate que fez de Freud. Deste modo, a reconquista veio com Lacan ao restabelecer a psicanálise com o destaque ao registro do Real; e também com Miller ao trazer os novos impasses e desafios da psicanálise no contemporâneo, qual seja o empuxo ao gozo, ao excesso, e ao mais ainda.
No contemporâneo imperam e ploriferam as soluções terapêuticas rápidas, muitas vezes através de medicamentos que deixam o sujeito de fora.
A fim de ilustrar a diferença entre as terapias que desconsideram o sujeito, e o gozo, e a psicanálise, que defende o inconsciente, Ana Lúcia Lutterbach apresentou uma vinheta clínica: Uma mãe que vai ao consultório dizer que o filho é anoréxico: “ele só come o que gosta”. Segundo uma observação psicanalítica se tratava de uma demanda materna. Havia aí um impasse pulsional que a psicanálise trata ao considerar a singularidade do caso a caso. A psicanálise proporciona, assim, uma salvação pelos dejetos, pelos restos do psíquico, de modo que o sujeito tem a chance de se salvar servindo-se do sintoma. A psicanálise coloca em evidencia a loucura de cada um a fim de privilegiar a inventividade sintomática.
Seguiu à discussão o debate com o público, onde se pontua a responsabilidade do analista cidadão, na medida em que ele atua no social, em escolas, no campo jurídico, e na saúde mental. Diz-se que o autor do massacre na escola de Realengo não foi escutado, pois nem a sociedade nem os profissionais da escola teriam percebido que ele apresentava uma doença mental, e como tal, deveria ter recebido um encaminhamento para ser tratado.
Ana Lúcia Lutterbach pontuou que podemos dizer que este rapaz era louco, contudo devemos ter cuidado para que essa discussão não resvale para um novo encarceramento dos loucos. Esse ato cometido pelo rapaz seria uma loucura crua, uma passagem ao ato, pois ele estava imerso na loucura, o que é diferente de uma loucura que estrutura. Esse acontecimento demonstra como um ponto de real, que não é explicável ou simbolizável, se não for tratado pode levar a passagem ao ato.
Chamou-se atenção para o fato de que na tragédia convocaram-se muitos psiquiatras para diagnosticar e dar um sentido para isso, ao dizer “ele é louco”. Contudo, a tragédia revela um sem sentido, porque é da ordem do real.
O trabalho da psicanálise seria, então, na margem, na beira, e não sobre o acontecimento propriamente dito. Pois, isso é algo que não se pode prevenir, é o risco da presença do real. Não é possível estabelecer uma causa. O que existem são as contingências, e o que o psicanalista pode diante disso não é da ordem de atribuir uma causa, ou de prometer uma prevenção, mas sim de oferecer uma escuta ao sofrimento psíquico dos sujeitos, para que este possa dar um tratamento ao real, a isto que não tem sentido.
Por: Júlia Reis