quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O que pode a Psicanálise diante do destino para o pior? O Manejo do Tratamento das Toxicomanias no Avesso do Discurso do Mestre.

Uma versão especial do discurso do mestre: A resolução SMAS número 20 de 27 de maio de 2011, cria e regulamenta o Protocolo do Serviço Especializado em Abordagem Social, adotado pela prefeitura do Rio de Janeiro, prevendo o recolhimento e a internação compulsória de crianças e adolescentes em situação de rua que fazem ou não uso abusivo de drogas. Ela viola a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e a Lei de Saúde Mental demonstrando o viés biopolítico da direção de tratamento nesses casos: execução da força policial para a efetuação do recolhimento dessas crianças e medicalização indiscriminada do psiquismo.

O que o sujeito, nesses casos, nos ensina? Um caso clínico de psicose, atendido por Julia Reis no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, nos ensina sobre a relevância de se determinar o estatuto do recurso à droga nesses quadros em que o NP revela seu limite diante do imperativo mortífero de satisfação, no avesso desta direção higienista de tratamento reduzida à exclusão social e à medicalização que despreza a estrutura em jogo.
Clarice teve diversas internações no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, em Niterói. Foi internada tanto no Serviço de Internação para Usuário de Álcool e Outras Drogas (SAD), como no Serviço de Internação para Agudos Feminino (SIAF), dependendo da avaliação dos médicos e psicólogos da emergência. Assim, quando achavam que o uso de crack era excessivo e a paciente poderia apresentar sintomas de abstinência a internavam no SAD, e quando entendiam que os sintomas psicóticos estavam mais agudos a internavam no SIAF. As internações de Clarice foram sempre a pedido da mesma, no momento em que pensava que podia morrer por causa do uso de crack (justificado na declaração de que se continuar assim vou morrer; estou pele e osso). O uso de drogas cumprira, para ela,
a função de reduzir o gozo mortífero das alucinações auditivas (a voz do Diabo). No entanto, verifica-se o fracasso de tal função na medida em que o uso de drogas a empurra para uma posição subjetiva em que só pode existir como dejeto para o Outro, marcando seu destino para o pior, conforme assinalado por Briole (2009) em Toxicomania. Un Lazo Social entre otros?, quando chegava à internação, estava sempre muito emagrecida, suja e machucada.
O que pode uma psicanálise? Sua última internação evidencia um processo de estabilização do quadro psicótico com o início de uma construção delirante através da bíblia: Deus enviava mensagens para que se afastasse dos ímpios - localizados nas pessoas com quem andava (traficantes e usuários de drogas) – e se protegesse seguindo os preceitos da igreja. Uma questão institucional revela como a internação pode se apresentar como uma demanda imperativa quando não se leva em consideração seu próprio funcionamento no caso único em questão.
No primeiro dia em que fez uma licença para ir ao local de tratamento extra-hospitalar a paciente só retorna dois dias depois para pegar medicação junto com uma profissional de saúde da equipe da enfermaria. Houve, então, uma divergência em relação à direção proposta pelos serviços: enquanto a exigência do Ambulatório era de retorno da paciente à internação, por ter fugido, a responsável pelo caso, ancorada no discurso analítico, defendia a possibilidade do tratamento extra-hospitalar pautada: 1. na escuta da decisão da paciente de se internar nos momentos em que a morte fazia seu anúncio; 2. na incidência do trabalho de formação delirante na regulação dos efeitos mortíferos da droga que a fixava na posição de dejeto para o Outro.
A psicanálise abre a via para uma relação com o gozo que habita a experiência subjetiva no avesso da proposta higienista do mestre contemporâneo. Sua ação
consiste em dar um contorno de humanidade referindo-o à linguagem em uma política de tratamento de substituição da droga pela palavra. Clarisse nos ensina que a política da palavra lhe permitiu a formação de um delírio para o tratamento de suas alucinações, lá onde a internação compulsória representaria o exílio do sujeito na posição de dejeto.
 Cartel: Cláudia Henschel de Lima (mais-um), Julia Reis da Silva Mendonça José Alberto Ferreira, Vera Aragon e Adriana Lipiani.

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