Como apontado
por Miller (2005) no texto "Leitura crítica dos “Complexos familiares”, de
Jacques Lacan", encontramos no texto de Lacan (1938) “Os complexos
familiares na formação do indivíduo” uma primeira teoria do desenvolvimento, em
que ele apresenta os três tempos na forma de complexos e define a formação
psíquica dos indivíduos a partir dos complexos familiares. Apesar de distinguir
nesse texto o eu (moi) do sujeito, Lacan
ainda não se vale das ferramentas propostas pelo estruturalismo de Jakobson e
Lévi-Strauss. Desse modo, Miller (2005, p.9) defende que encontramos nesse
texto um Lacan pré-estruturalista, na medida em que lhe falta a precisão do
simbólico, da estrutura e da noção de significante, que aparecem em seu texto
sob a forma da cultura, do complexo e da imago, respectivamente.
Segundo Lacan (1938), as instituições familiares têm papel
primordial na transmissão da cultura, das leis e na formação psíquica dos
sujeitos. Ele define a família a partir dos complexos, que corresponde a um
agregado de percepções, sentimentos e sensações; sendo que o complexo é
dominado por fatores culturais e reproduz uma certa realidade do ambiente: “os
complexos demonstraram desempenhar um papel de “organizadores” no
desenvolvimento psíquico” (Lacan, 1938, p.35).
Lacan apresenta três complexos: do desmame, da intrusão, e o complexo de
Édipo.
1. O complexo do desmame apesar de ser o mais primitivo do desenvolvimento
psíquico é regulado culturalmente, ou seja, não é uma regulação natural. Ele
deixa uma marca na relação biológica que interrompe, a amamentação, e pode, ou
não, causar um trauma psíquico, como nos casos das anorexias nervosas,
toxicomanias pela boca e neuroses gástricas, em que os sujeitos repetem
indefinidamente o esforço de se separar da mãe. O complexo é definido em
oposição ao instinto, pois este tem um suporte orgânico, enquanto que o
complexo só tem uma relação orgânica quando “supre uma insuficiência vital pela
regulação de uma função social” (Lacan, 1938, p.40). É o que ocorre no caso do
complexo do desmame, onde a sublimação da imago materna se torna
particularmente difícil. Miller (2005) aponta que podemos encontrar nesse
texto, a partir da diferenciação que Lacan faz entre complexo e instinto, o
conceito de apoio. O complexo tem um fundamento biológico, mas ele se apóia no
instinto. A noção de apoio é a base para a compreensão do conceito de pulsão,
trabalhado posteriormente no ensino de Lacan como um dos quatro conceitos
fundamentais da psicanálise, situado na fronteira entre o mental e o somático.
A pulsão se apóia no instinto para dele se desviar, na medida em que se desvia
de seu objetivo natural, que seria o da autoconservação.
2. O complexo da intrusão consiste no reconhecimento do sujeito entre
irmãos. Ou seja, se segue ao declínio do desmame o estádio do espelho, em que o
sujeito passa a fazer uma diferenciação entre o eu e o outro, seu semelhante.
Utiliza-se o exemplo do ciúme para ilustrar a intrusão, no caso do ciúme do irmão
mais velho em relação ao irmão caçula, “seja como for, é através do semelhante
que o objeto, assim como o eu, se realiza: quanto mais pode assimilar de seu
parceiro, mais o sujeito reforça sua personalidade e sua objetividade” (Lacan,
1938, p.51). Miller (2005, p.13) assinala que se trata, na relação entre o eu e
o semelhante, descritas no complexo de intrusão, da relação imaginária, que tem
na competição com o rival e no acordo com o igual o próprio motor da sociedade
humana.
3. O complexo de Édipo, Lacan apresenta uma revisão deste a fim de
relacioná-lo à família patriarcal e a neurose contemporânea. Em relação ao
desejo edipiano do menino em relação à mãe, o pai opera enquanto agente da interdição
sexual. A conclusão da crise edipiana ocorre com a internalização da lei
através do supereu e a sublimação da imagem parental, a identificação ao pai,
através da formação do ideal do eu: “a imensa coleta de dados que o complexo de
Édipo tem permitido objetivar (...) pode esclarecer a estrutura psicológica da
família” (Lacan, 1938, p.55). Ou seja, a concentração na imago paterna da
função de repressão e de sublimação caracteriza a família patriarcal.