Em “o mito individual do neurótico”, Lacan (1953, p.14) ressalta
a importância de se introduzir no mito freudiano algumas
modificações estruturais necessárias para a compreensão das
vivências relatadas pelos sujeitos neuróticos em análise. Nesse
texto, ele assinala que o complexo de Édipo se baseia no conflito
fundamental amor-ódio em relação ao pai, mas destaca que a
experiência se estende entre a imagem degradada do pai e a relação
simbólica com o mesmo.
Para elucidar a estrutura da neurose obsessiva, marcada pela tensão
agressiva e fixação pulsional, Lacan se utiliza de um caso clínico
analisado por Freud, o Homem dos Ratos. Nesse caso, podemos observar
tanto a impossibilidade do simbólico em recobrir a pulsão de morte,
já que a inscrição do significante Nome-do-Pai na estrutura não
encobre a agressividade, como a presença de um pai degradado,
humilhado.
O autor analisa um esquema
fantasmático que se repete sintomaticamente na história de vida do
paciente e o nomeia como mito individual
do neurótico. Os sujeitos neuróticos retomam,
em suas relações, a estrutura básica que advém da constelação
familiar, ou seja, das “relações familiares fundamentais que
estruturam a união de seus pais” (Lacan, 1953, p.19).
Lacan
(1953, p.21-24) apresenta como elementos do mito familiar do Homem
dos Ratos certa desvalorização do pai, que faz um casamento
vantajoso com a mãe, e uma dívida que tem com um amigo que ao lhe
emprestar uma soma de dinheiro passa a ser seu salvador. O que
se repete sintomaticamente, então, é o conflito mulher
rica / mulher pobre, que marca o desencadeamento de sua neurose
quando o pai o pressiona a se casar com uma mulher rica, e a
questão da dívida do pai com o amigo, retomada quando o sujeito se
vê na situação de ter que reembolsar uma soma em dinheiro pelo
envio de um par de óculos que havia perdido, que ele toma para si
como um dever neurótico.
Lacan utiliza esse caso como um
exemplo para apontar uma mudança na própria estrutura do complexo
de Édipo, diferente do esquema triangular criança-mãe-pai,
onde o pai tem a função de interditar o desejo incestuoso pela mãe.
Essa crítica ao esquema tradicional do Édipo se faz a partir da
introdução de um quarto elemento, de modo que um sistema
quaternário passa a substituir a tríade clássica. Para que se
possa compreender do que se trata na estrutura quaternária, Lacan
destaca a função simbólica do pai, em que a função exercida pelo
Nome-do-Pai de promover o recobrimento do real pelo simbólico é
sempre incompleta “o pai é sempre, por algum lado, um pai
discordante com relação à sua função, um pai carente, um pai
humilhado”
(Lacan, 1953, p.40).