terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Mulheres de hoje: figuras do feminino no discurso analítico




DISPOSIÇÃO PARA O GOZO FEMININO

Crônica publicada no jornal A Tarde, 27/nov, sobre a conferência de Eric Laurent no XIX EBCF 'Mulheres de Hoje', escrita por Francisco Antônio Zorzo, Professor da UFBA:

"Em 23 de novembro, no Encontro do Campo Freudiano, o psicanalista francês Eric Laurent fez um longo discurso para uma grande platéia de cerca de mil pessoas. Sua reflexão traçou um longo raciocín...
io, desenvolvendo um arco a respeito da ampliação do papel social e político da mulher contemporânea. Chegou, no final, à conclusão alentadora que vivemos uma etapa de feminilização do mundo. Nesse processo, que tem sérias consequências, estão implicados fenômenos como as mudanças na formação familiar (p. ex., expansão da família mono-parental), queda do patriarcado no ocidente, depressão, e outros temas correlatos.
Tomando por referência as últimas eleições para presidente nos Estados Unidos, ele começou sua fala avaliando que as mulheres e latinos foram o fiel da balança, marcando uma diferença na votação. Uma faixa das mulheres e dos votantes, que estão imprimindo novos comportamentos, foram contra o voto conservador e elegeram Obama em 2012. Esses eleitores são os que desenvolvem novos estilos de vida e de gozo que merecem ser considerados.


As taxas de pessoas isoladas e separadas aumentou e a faixa etária caiu. Segundo Laurent, enquanto que antes os mais velhos ficavam nessa situação, hoje a faixa etária de celibatários chega à casa dos 35 anos, da fase da libido-cheia, o que significa uma mudança de estilo e de ideais da sociedade.

Na sociedade atual, o indivíduo pensa em “marcar pontos”, mais do que desfrutar a vida.
O orgasmo demandado é o mais direto possível, entre a vagina e o cérebro, tal como o caso de Naomi Wolf, descrito no seu livro sobre o sexo feminino, em que relata sua biografia. Laurent lembrou das cirurgias sexuais e o caso da escritora que operou do nervo na altura da 5ª. Vértebra lombar, supostamente para ter o orgasmo ampliado.
Esses fatos enumerados acima, o que dizem para a psicanálise? Para responder, Laurent recordou que Lacan nos anos 1960 colocou 3 perguntas que tem a ver com a questão: 1) sobre a entropia/agitação dos casamentos de homens homossexuais e lésbicas. 2) sobre o contrato/casamento, ou ainda a irredutibilidade das mulheres ao contrato. 3) proibição do incesto paiXfilha.

Em outra passagem em Salvador, em evento de psicanálise, Laurent já falara do analista, como um ser que discute a experiência das paixões. Seguindo essa maneira de se engajar no tema, ele se posiciona tal como Pascal frente às emoções e diferente de Montaigne, que gostaria de existir sem paixões. O analista é um ser que experimenta as paixões, as tentações, colocando-se o mais próximo possível daquilo que divide o sujeito.
 Aqui, nestas poucas linhas é difícil retomar todos as nuances da conferência. Mas, em resposta às perguntas acima, sobre homossexuais e lésbicas, Laurent foi na linha de Jacques Lacan, que via uma dissimetria entrópica de comportamentos. A psicanálise parece fazer um elogio a um certo tipo de relacionamento que ainda procura regularidade e duração no amor. Um caso que Laurent falou foi o da escritora Marguerite e sua amante, que vivia isolada no frio durante 6 meses por ano, mas que tinha uma vida produtiva com muita calma amorosa.

Laurent lembra o caso da filha de Sigmund Freud, Ana, e seu conhecido caso com Dorothy. Houve o reconhecimento de certas experiências sob o olhar de Freud. Laurent assinala aqui a tese de que a mulher quer manter o outro falando sem fim na relação. Esse é um traço da erotomania da mulher que Freud e Lacan perceberam cada um ao seu modo. Mas, Lacan não deixou de reconhecer que a mulher pagaria um preço por isso, ou seja a depressão e a angústia. A fórmula da dor no amor feminino é ampliada por Lacan para o lado da depressão.
Esses sentimentos depressivos formam um transtorno novo, um novo pacote cultural. Laurent, lembrou que no Japão décadas atrás não havia depressão, mas depois da forte onda de medicalização passou a ser validada. A depressão seria, para a psicanálise, uma forma de desidentificação. Essa desidentificação também ocorre no final da análise, que pode gerar um comportamento do tipo bi-polar. Mas, quanto a isso seria bom ir com bastante calma, pois uma situação de desidentifação muito radical, faz um curto-circuito, que deixa o sujeito tombado.

A questão do contrato/casamento para a mulher de hoje, foi exemplificada através do caso recente do general americano, cuja recente e polêmica biografia indica uma vida com várias mulheres. Tirando a esposa, as outras mulheres aceitavam estar fora do contrato, assumindo a subversão das convenções, sem maiores problemas, desde que mantida a sedução em jogo. As mulheres do general se colocam fora do contrato, seriam para Laurent, como que “free-lancers”, mantendo a situação sem maiores embaraços, desde que se perpetuasse o laço sexual e a libido e se mantivesse o outro falando.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

As dificuldades do Psicoterapeuta no mercado de trabalho

Artigo publicado em "O Estado de São Paulo" sobre as dificuldades do exercício da profissão de Psicoterapeuta no mercado de trabalho:
 
No dia 23 de novembro, o New York Times publicou o artigo What brand is your therapist?, no qual a escritora e terapeuta iniciante Lori Gottlieb conta das dificuldades no exercício de sua profissão.
Após seis anos de estudos e treinamento, Lori acreditava que, ao se estabelecer profissionalmente, logo estaria auferindo a satisfação esperada na aplicação de seus conhecimentos e recebendo a merecida remuneração que compensaria os investimentos em tempo e dinheiro despendidos nos estudos. Mas suas expectativas esbarraram com uma acabrunhante falta de clientes, que logo soube ser um problema que afligia não só a ela como a muitos colegas, até mesmo os mais antigos e veteranos. Isso se devia em grande parte à política dos planos de saúde, que deixaram de reembolsar os gastos com este tipo de tratamento ou a restringir ao mínimo o número de sessões por eles cobertas, o que não ocorria com o tratamento medicamentoso. Só em 2005, a indústria farmacêutica gastou US$ 4,2 bilhões em publicidade direta ao consumidor e US$ 7,2 bilhões em promoções para a classe médica - o dobro do que é gasto em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos.
Lori tomou conhecimento de que, para manter o trabalho, muitos colegas recorriam ao auxílio de marqueteiros e publicitários, cuja estratégia maior residia na criação de apelos (marcas ou brands) que dotavam o terapeuta de um diferencial que o distinguia da massa de colegas, tornando-o mais visível para o grande público.
Na opinião dos marqueteiros, as pessoas se interessariam menos pelo enfoque tradicional da psicoterapia, desejariam soluções rápidas e fáceis para seus problemas e estariam susceptíveis a propostas mais atraentes. Por exemplo, um profissional não mais deveria se apresentar como "terapeuta familiar", o que pareceria "genérico e superado", mas usar algo como "perito em ajudar famílias modernas a navegar na mídia digital", alguém capaz de lidar com o cyberbullying e o sexting (palavra criada a partir de sex e texting, que designa a mania recente adotada por adolescente de postarem textos e fotos eróticas suas na internet).
Mais ainda, para não ser considerado "frio e distante", o terapeuta precisaria mostrar-se o mais aberto possível, falando de sua própria vida. Por exemplo, deveria expor nas redes sociais, onde seus anúncios seriam veiculados, se tem filhos, se é gay, se sofre de uma doença crônica, se provém de uma família de pais divorciados, se perdeu recentemente um ente querido, se tem ou teve problemas alimentares, etc. Tais revelações proporcionariam a aproximação de pacientes com problemas semelhantes.
Lori fica escandalizada, pois todas essas orientações vão diretamente contra tudo aquilo que aprendera na escola e nas supervisões clínicas. Tal abertura cria uma atitude sedutora de falsa intimidade do terapeuta para com o cliente, além de dificultar o estabelecimento dos movimentos transferenciais, essenciais para o desenvolvimento do processo terapêutico.
O relato tragicômico de Lori não é muito diferente do que acontece no Brasil e mostra algo que é próprio do começo da vida de qualquer profissional liberal. Mas aponta para fatores antes inexistentes, como a mudança radical introduzida no mercado pelos planos de saúde, que reduziram ao mínimo a prática privada da medicina ou da psicologia, além de ressaltar que, no campo da psiquiatria, os planos de saúde dão prioridade ao tratamento medicamentoso, muito menos custoso do que o tratamento psicoterápico.
Mas o que no relato é chamativo é a aplicação direta de apelos comerciais característicos de produtos de consumo a uma prática médica-psicológica, com o objetivo de melhorar sua posição no mercado de trabalho.
O espírito da publicidade é negar as limitações, as dificuldades, as impossibilidades que são inerentes à vida, vendendo a ideia de que tudo é possível - desde que se consuma os produtos por ela anunciados, é claro. O objeto de consumo é um fetiche que supostamente garante bem-estar imediato e definitivo àquele que o possui, protegendo-o de toda e qualquer percepção de infelicidade, incompletude e vazio. Tal ilusão não se sustenta por muito tempo, gerando frustrações que são muitas vezes confundidas com "depressões" a serem medicadas.
Assim, tratar a psicoterapia como um item de consumo não só fere a ética, que estabelece parâmetros estritos sobre como o profissional deve divulgar seus serviços, como é desastroso, pois reforça distorções da realidade que a psicoterapia tem por ofício analisar.
Seria ótimo se houvesse soluções fáceis e imediatas para os problemas que nos acometem. Mas as coisas não são simples. É por esse motivo que, ao invés de oferecer soluções mágicas ao paciente, o psicoterapeuta se dispõe a ajudá-lo a entender a complexidade de seu próprio psiquismo, sua dimensão inconsciente que abriga fantasias infantis ainda vigentes na atualidade, cujos padrões anacrônicos de funcionamento continuam a influenciar seu comportamento, seus relacionamentos pessoais e decisões sem que ele mesmo disso se aperceba. A terapia pode dar-lhe condições para lidar melhor com os impedimentos e perdas inevitáveis que a vida impõe a todos, bem como libertá-lo de inibições e medos imaginários que dificultam o exercício de suas potencialidades. Tudo isso demanda tempo e perseverança no trabalho conjunto realizado pela dupla terapeuta e paciente, mas o alívio buscado por este ao procurar a terapia não precisa esperar pelo término do processo para se fazer sentir. O poder expressar suas dificuldades, a paulatina compreensão de seus conflitos internos proporciona um progressivo domínio sobre o sofrimento e a angústia.
Se a psicoterapia e os hábitos de consumo se constituem como mundos inconciliáveis, há uma incômoda proximidade entre as leis do consumo e o tratamento medicamentoso. Produto da poderosa indústria farmacêutica, ele disputa o mercado usando agressivamente os recursos da publicidade, com o objetivo de induzir um consumo cada vez maior, como a pequena mostra de números citada acima evidencia. Mais ainda, da forma como muitas vezes é apresentada, a medicação em si, o próprio comprimido, aproxima-se perigosamente do objeto fetiche, do talismã cuja posse (ingestão) garante a resolução de todos os problemas.
Essas observações não implicam uma negação da grande importância da medicação psicotrópica nos distúrbios mentais. Antes se opõem aos excessos no uso deste recurso, que muitas vezes levam a uma equivocada depreciação da psicoterapia, ignorando que ela é um inestimável e insubstituível instrumento para o autoconhecimento e bálsamo para o sofrimento do paciente.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O movimento dos olhos podem servir de diagnóstico para a esquizofrenia?

Testes que diagnosticam a esquizofrenia a partir do movimento ocular











É importante que os psicanalista e demais profissionais da área de saúde possam dialogar entre si, fazer o saber circular. Assim resolvi comentar uma reportagem que vi circulando pela internet e que hoje foi publicada no Jornal Estado de Minas intitulada "Olhos podem revelar a esquizofrenia". A esquizofrenia é uma distúrbio psicótico onde os sujeitos apresentam sintomas classificados como positivos (alucinações e delírios) e negativos (embotamento afetivo, isolamento social).
Em uma pesquisa publicada na revista Biological Psychiatry, psiquiatras britânicos afirmam que conseguiram diagnosticar pacientes esquizofrênicos com mais de 98% de precisão baseados apenas em testes visuais: "Os pacientes não parecem ver o mundo da mesma forma que indivíduos saudáveis. Eles tem um olhar que não se fixa, que demora a seguir objetos em deslocamentos, mas, depois que alcança a trajetória, os movimentos se tornam rápidos e bruscos", diz o principal autor do estudo, Philip Benson, do King's College London e da Universidade de Aberdeen.
A questão é que a psiquiatria, sob égide da ciência, busca uma maneira cada vez mais exata, física, de realizar o diagnóstico, que usualmente é feito através da anamnese, entrevistas e acompanhamento do paciente. Afinal, há uma fineza no diagnóstico, que requer uma investigação acerca da estrutura clínica, como propõe a psicanálise.
Esse "olhar" do esquizofrênico, vago, perdido, denuncia que ele considera o Outro como invasivo, denuncia que o sujeito fica preso na relação especular, imaginária (a-a'). Por isso a dificuldade em constituir uma imagem do corpo, vivenciando-o como despedaçado.
A questão do diagnóstico, assim, não pode ser reduzida a um simples exame físico. A proposta e aposta da psicanálise é em uma investigação da estrutura clínica, do ponto de ruptura do Nome-do-Pai para cada sujeito, e das particularidades da sintomatologia de cada um.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Revista consecuencias

Divulgando a Revista consecuencias, do Instituto Clínico de Buenos Aires. É uma revista digital que fala de psicanálise, arte e pensamento. A edição número 9, que surge antes das XXI Jornadas Anuais da EOL traz o título: a clínica do singular frente a epidemia das classificações.
Como disse J-A Miller em sua conferência no congresso da AMP em abril deste ano, o século XXI é o século de uma nova ordem simbólica, século da desordem do real.
Esta edição traz textos que fazem um debate atual com a ciência e a época, trabalhos sobre a psicanálise em intensão e extensão, sobre a arte e a cultura.

Para acessar a revista: http://www.revconsecuencias.com.ar/ediciones/009/default.asp

 
 

domingo, 18 de novembro de 2012

A "mascarada" feminina [Lêda Guimarães]

 
Atras de uma máscara outra máscara e mais outra máscara e mais outra máscara... no vetor infinito do feminino inalcançável por qualquer semblante...
Não dá para 'ser' mulher sem máscaras, senão as mulheres residiriam no inefável de si mesmas.
Assim a 'mascarada' feminina é um recurso inevitável e essencial para constituir um laço com o Outro, como um modo de se fazer 'ser' para o Outro.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Tratamento psicanalítico de crianças


Atualmente a clínica com crianças tem alcançado demandas crescentes. Acredito que isso ocorre muito em função do modo de vida no contempoâneo, da mudança de padrões, modelos e referências. Ao invés da brincadeira nas ruas, da transmissão através das palavras, observamos na atualidade o predomínio da tecnologia, das imagens em detrimento da palavras, e do estímulo cada vez maior das crianças, o que causa uma queixa recorrente dos pais em relação aos seus filhos serem "hiperativos" ou terem "deficit de atenção".

Contudo, não devemos nos esquecer da psicanálise como uma ferramenta teórico-prática fundamental para o tratamento de crianças, através justamente da palavra.

Pequisando no google achei um artigo muito interessante de Cássio Miranda, Professor do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, sobre A CLÍNICA DA CRIANÇA E A SUPERVISÃO EM PSICANÁLISE: AVANÇOS E IMPASSES, onde diz que a Escola de Lacan vem nos ensinar que não há uma Psicanálise de Adultos e uma Psicanálise de Crianças, mas uma Psicanálise que lida com sujeitos do Inconsciente, buscando desvendar a novela fantasmática na qual o Sujeito encontra-se enredado:

"Entretanto, na psicanálise com crianças é sempre preciso a convocação de uma fala dos pais. Uma fala que possibilite, através da entrevistas preliminares, verificar que lugar a criança ocupa no desejo dos pais, que depósitos e projeções os pais fazer sobre a criança e o que a criança faz com tudo isso, ou seja, quais os ganhos secundários que ela obtém em termos de gozo.Para tanto, é necessário fazer uma distinção entre aquilo que os pais dizem ao Analista, de seus fantasmas, desejos e construções em torno da criança e entre o que a criança organizou em sua cabeça."

Efeito de que o tratamento das crianças inclui o entendimento do lugar que a criança ocupa no desejo dos pais, no que ela encarna como sintoma do casal parental, é que muitas vezes quando o tratamento da criança está evoluindo, os pais simplesmente tiram a criança da análise e arranjam uma desculpa qualquer para não ter que se haver com seu próprio sintoma...

 


domingo, 16 de setembro de 2012

Algumas considerações sobre o amor, a paixão e o afeto



VIEIRA, M. A. . Algumas considerações sobre o amor, a paixão e o afeto. In: Ribeiro, M. A.; Motta, M.. (Org.). Os

destinos da pulsão. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1997, v. , p. 131-144.


Marcus André Vieira

Membro da EEP – Membro da EBP

Retirado do site: www.litura.com.br

O afeto, pulsão e gozo
Podemos afirmar, como primeira aproximação, que o afeto é associado por Freud à pulsão e podemos mesmo supor que o afeto para o Freud dos primeiros escritos seria o nome do real, do trauma de uma energia não descarregável, do qual se destacará mais tarde a pulsão. Deixemos de lado, entretanto, esta primeira concepção do afeto em Freud e examinemos dois momentos onde Freud define o afeto com relação à pulsão. O primeiro consiste em seus textos metapsicológicos de 1915. Freud fornece-nos aí a definição de afeto mais difundida na literatura psicanalítica, encontrada, por exemplo, no dicionário de Laplanche e Pontalis.
O afeto é apreendido de um ponto de vista econômico, definindo-se como o caráter subjetivo da descarga de uma quantidade determinada de energia pulsional acumulada. Ele ficará associado à noção de descarga, de movimento e de energia acumulada, sendo tido como um fenômeno da esfera psicofisiológica, que nasce e se realiza no real do corpo, tendo a consciência como centro.
O segundo momento é Inibição, sintoma e angústia. Neste texto, a angústia como afeto básico não terá mais a noção de descarga como traço constitutivo fundamental, mas sim a de sinal do eu com relação a um perigo interno que se liga a uma perda associada à castração. A angústia-sinal é agora a recriação de uma situação traumática mítica, definida como afluxo de "estímulos" e de idéias insuportavelmente desagradáveis porque não podem ser "dominadas psiquicamente". A relação do afeto com a pulsão deixa de ser decisiva. O fato que os dois possam ser descritos como metáforas energéticas passa para um segundo plano pois o que interessa é a angústia como re-criação do trauma fundamental, instaurando a castração como condição estrutural para o fala-ser.
Resumindo as duas concepções de afeto em suas relações com a pulsão temos então:
1.Um processo psicofisiológico de descarga, um extra energético que tem sua origem no corpo, concebido como um corpo real, biológico, de onde se origina a pulsão.
2.Uma reação do sujeito à castração, um processo simbólico exterior ao campo biológico--
corporal, que só se inscreve em uma causalidade fisiológica às custas de modificações
redutoras, pois define-se aqui a partir da relação do sujeito com uma perda.
O percurso de Freud indica que a concepção explícita em 1 deve ser lida a partir de 2.
Ao procedermos deste modo desvela-se a noção de um extra energético que é também uma perda, ou que está articulado a uma perda fundamental. Tanto o afeto quanto a pulsão vão ser compreendidos com relação a este excesso que, como vimos, não tem nenhuma conotação fisiológica ou energética e que associa-se à falta fundamental. Um dos esforços maiores de Lacan foi traduzir conceitualmente esta noção de "excesso de uma falta" através do conceito de gozo. Este, traduz o que da negatividade fundamental do homem aparece (porque coberto pelo simbólico) como um excesso, um "em demasia". Ele distingue-se do prazer, e sua definição só pode ser negativa: ele é aquilo que "não serve para nada"6, que não tem existência no mundo do significante, pois foi expulso quando da instauração do simbólico.
Ele se situa antes da instauração do simbólico, que constitui a distinção entre corpo e alma.
(invertido) Em 1 inscreve-se a concepção platônica, evidente em São Tomás de Aquino assim como em Descartes. Ela comporta um conflito entre corpo e alma, ou seja, entre um sujeito não dividido (que constituirá o sujeito da ciência) e seu corpo - fonte de todas as paixões - que deve ser colocado sob o domínio da razão. Para Freud não há uma oposição entre afetos e razão, ou entre pulsão e razão. A indicação freudiana de que a pulsão está entre somático e psíquico, sugere que ela está além/aquém desta oposição e não em uma posição híbrida no interior dela.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

XXI Jornadas Clínicas - EBP- Rio e ICP-RJ



Convidada internacional: Silvia Salman
AE membro da EOL-AMP


A escuta freudiana revelou a importância psíquica da diferença sexual anatômica. Não existem dois sexos complementares, pois no inconsciente só há um sexo: o masculino. O feminino não encontra uma representação significante e a diferença morfológica não é suficiente para localizar o Outro sexo, de tal modo que para os psicanalistas a questão sobre o sexo não é a questão do gênero. O desejo da mulher está em jogo na relação com o parceiro sexual, seja homem ou mulher. A surpreendente expressão de Lacan “A mulher não existe” denota o impossível da proporção entre os sexos. O feminino é não-todo regulado pela lógica da castração edipiana que permite a assunção do próprio sexo. Quais são as manifestações desse “não-todo” hoje?
Há uma dimensão do feminino que vem se tornando pregnante na nossa cultura e que é preciso levar em conta na direção dos tratamentos. Isso diz respeito, por um lado, a uma tendência à infinitização do gozo em alguns sintomas contemporâneos que refletem uma patologia da ordem da adição. Por outro lado, há um aspecto do feminino na atualidade que se verifica na criatividade das soluções singulares, que não decorrem de uma norma para todos, para lidar com o real.
As XXI Jornadas clínicas da EBP-Rio, em parceria com o ICP-RJ, apresentarão as contribuições dos psicanalistas de nossa comunidade em relação aos eixos temáticos propostos.
Os autores deverão indicar em qual dos eixos temáticos seu trabalho se insere. A data limite para o seu encaminhamento é 31 de agosto. Os trabalhos deverão ser enviados online pelo site http://www.ebprio.com/boletins/outubro/envio_trabalhos.asp. Cada trabalho deve conter no máximo 4.000 caracteres (com espaços).
Local
Centro de Convenções Bolsa do Rio
Praça XV, N. 20, Centro, Rio de Janeiro
Coordenação Geral
Angela C. Bernardes e Rodrigo Lyra Carvalho
Comissão Científica
Cristina Duba (Coordenadora) | Ana Lucia Lutterbach Holck | Angélica Bastos
Glória Maron | Ruth Cohen
Comissão Organizadora
Adriana Lipiani | Angélica Tironi (coordenação de infraestrutura) | Lydia Vasconcellos | Magda Delecave | Monica Rolo | Roberta Assunção | Rodrigo Fraga | Ronaldo Fabião (coordenação de tesouraria) | Sandra Landim | Sarita Gelbert (coordenação de comunicação) | Vanda Assumpção Almeida (coordenação de comunicação) | Vânia Gomes (coordenação de infraestrutura

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Regulamentação da psicanálise no Brasil

Breve Histórico por Romildo por Romildo do Rêgo Barros - Psicanalista da EBP-RJ

Houve no Brasil, nas últimas décadas, várias tentativas de regulamentação da profissão de psicanalista. Todas têm sido até agora interrompidas em algum ponto dos trâmites parlamentares, em geral por não obterem consenso, nem entre os parlamentares, nem entre os experts que porventura tenham dado suas opiniões, e nem entre os próprios psicanalistas. Foram iniciativas que têm tido até agora um efeito quase fatal, o de desagradar a todos. Mas sempre recomeçam, periodicamente. E visam diretamente a psicanálise, e não, como vem ocorrendo na Europa, o vasto universo das psicoterapias. Talvez possamos explicar esta particularidade pelo fato de que no começo essas iniciativas foram direta ou indiretamente inspiradas pela IPA brasileira.

Os anos 1970 foram particularmente pródigos em projetos de lei que visavam dar ao exercício da psicanálise um estatuto legal, prevendo a formação mínima do psicanalista e traçando limites para o exercício da profissão.

Só para citar duas das propostas surgidas nessa época: uma delas, em 1975, exigia dos candidatos que cumprissem as exigências e condições das sociedades da IPA, para poderem ser reconhecidos pelo Estado como psicanalistas, enquanto uma outra, quatro anos mais tarde, previa a criação de cursos universitários de psicanálise, que teriam – sem dúvida por analogia com os cursos de medicina – uma duração de seis anos, após os quais o aluno teria o pleno direito de exercer a profissão.

Essa efervescência tinha como pano de fundo um confronto entre médicos e psicólogos, os primeiros reivindicando a exclusividade da prática psicanalítica, e os últimos buscando legitimar as suas efetivas práticas clínicas, julgando-se autorizados pela lei federal n° 4119, de 27 de agosto de 1962, que regulamentou o exercício da profissão de psicólogo e lhes reservou a exclusividade no uso de “métodos e técnicas psicológicas”.

Para muitos psicólogos, foi fácil incluir nessa prerrogativa a prática da psicanálise, considerada como uma espécie de extensão natural da psicologia clínica, ou como uma variante psicoterápica: assim sendo, qualquer regulamentação seria, não um erro, mas uma redundância. Ou um equívoco, como se expressou certa vez o Conselho Federal de Psicologia

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Sobre a direção do tratamento em psicanálise

Freud, desde o início de suas investigações teóricas e clínicas, se preocupou em orientar os profissionais em relação a direção do tratamento dos pacientes. Ao longo de seus textos observamos como pontua a importância de se traçar o diagnóstico diferencial para a orientar a direção de tratamento a partir da escuta das particularidades do sintoma em cada caso.

Em “Sobre o início do tratamento”, Freud (1912, p. 140-154) destaca a sensibilidade de escuta do psicanalista na condução do tratamento. Segundo ele, o “exame preliminar” – que podemos comparar às entrevistas preliminares – permite fazer um diagnóstico diferencial entre neurose e psicose. Contudo, somente após o estabelecimento da transferência os analistas devem começar a interpretar os pacientes e trabalhar no processo de tornar consciente o inconsciente, conforme afirma Freud.

Em outro texto, intitulado “Terapia analítica”, Freud (1916-17, p. 440-51) assinala que a psicanálise se propõe a tratar os estados neuróticos e que sua influência se baseia essencialmente na transferência e não na sugestão direta. Ele acrescenta que enquanto o método hipnótico utiliza a sugestão e procura encobrir e dissimular os conteúdos da vida mental, o método analítico se propõe a expor e eliminar o sintoma, adotando como base a transferência. A função do tratamento é desfazer as resistências internas, ou seja, o conflito entre o eu e a libido. Dessa maneira, se considera que uma análise esteja no fim “quando todas as obscuridades do caso tenham sido elucidadas, as lacunas da memória preenchidas, e descobertas as causas precipitantes das repressões” (ibidem, p. 453). Após reconstituir o conflito de onde surgiram os sintomas e conduzir a um resultado diferente, surge em lugar da “doença verdadeira” a “doença transferencial”, ou seja, a neurose de transferência. De modo que:

Nosso trabalho terapêutico incide em duas fases. Na primeira, toda a libido é retirada dos sintomas e colocada na transferência, sendo aí concentrada; trava-se a luta por esse novo objeto e a libido é liberada dele (...) Mediante o trabalho da interpretação, que transforma o que é inconsciente em consciente, o ego se amplia a custa desse inconsciente; por meio do conhecimento, ele se torna conciliador para com a libido e disposto a conceder-lhe alguma satisfação, e sua recusa às exigências da libido diminui mediante a possibilidade de derivar uma parte da mesma através da sublimação (...) Talvez possamos tornar ainda mais clara a dinâmica do processo de cura, se eu lhes disser que retemos a totalidade da libido que foi retirada do domínio do eu, atraindo uma parte dela sobre nós próprios, mediante a transferência (ibidem, p. 455-56).

domingo, 6 de maio de 2012

É possível amar ao próximo como a si mesmo?

A posição do saber no discuso do analista é diferente do discurso da universidade.
Lacan defende que o nascimento do sujeito, dividido, que não se contenta com um menos saber, requer que o analista seja paciente frente aos rodeios do analizante. Em relação ao saber do analista não se trata da erudição, pois esse, segundo Lacan, é um saber inconsistente. O inconsciente é nosso único lote de saber. Ao analista somente se supõe um saber
Para Lacan a psicanálise desvela o que a filosofia recobre: a verdade sobre o sexo. Só podemos fazer borda a inexistência da relação sexual, da complementariedade entre os sexos. 
Se Lacan defende que não há relação sexual, Freud já denunciava algo na relação entre os sujeitos que não era complementar, e mesmo o laço social como o que há de mais difícil para os sujeitos. "Amar ao próximo como a si mesmo" seria, então, um mandamento impossível de se cumprir. A metáfora do porco-espinho, apresentada por Freud em "Psicologia dos Grupos e análise do eu" (1921), fala dessa distância íntima que mantemos em relação aos outros: os porcos-espinhos durante o inverno precisavam se juntar para ficarem aquecidos, contudo, como tinham espinhos precisavam manter uma distância necessária entre si para que não se ferissem. É essa distância íntima, que permite a constituição do próximo e a manutenção do sujeito do desejo.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Há gozo no sintoma?

Em diversos casos clínicos que recebemos no consultório nos dias de hoje podemos comprovar a afirmativa tanto de Freud como de Lacan de que existe gozo no sintoma. Isto quer dizer que os sintomas, como as obsessões, a anorexia, as compulsões, e mesmo as toxicomanias, apesar de causar sofrimento, revelam também alguma parcela de satisfação, e também de gozo: "algo no âmago do sujeito trabalha para seu desaparecimento, sua destruição".

"O gozo é um conceito necessário para compreender como o sujeito tem a ver com seu sintoma, como ele o ama bem mais do que o bem-estar, o prazer, o benefício e mesmo ele próprio, inclusive quando o faz sofrer. É precisamente nisso que o gozo e o prazer se distinguem. O gozo se alia à dor - o sintoma, de sua parte, magoa - e designa a satisfação paradoxal retirada dessa dor. Trata-se de uma satisfação que pode prejudicar o organismo e se tornar autônoma e até conduzir a morte".

Por isso a importância do trabalho analítico com esses sujeitos, para que possam entender a particularidade do gozo que obtém através do seu sintoma e ao que ele remete à neurose infantil, para que a partir daí cada um possa construir um saber-fazer com isso, e com o que resta ao fim de uma análise.

 Philippe Lacadée. O despertar e o exílio. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2011, p. 94 - 95.

domingo, 8 de abril de 2012

Opção Lacaniana Online nº 7


Editorial e sumário

A Associação Mundial de Psicanálise – AMP está prestes a realizar, em Buenos Aires, seu VIII Congresso Internacional sobre “A ordem simbólica no século XXI”. Um subtítulo desafia: “Não é mais o que era. Que consequências para o tratamento?”
Recorro a um aspecto que esse tema suscita, para apresentar este número de Opção Lacaniana online nova série. Há na ordem simbólica atual um excesso de significantes e de variedades subjetivas para usá-los que, paradoxalmente, faz bem e mal. Voamos no virtual, pescamos em rede e sufocamos reféns da web. Alguns significantes são senhas de entrada em comunidades de sentido imperativamente compartilhado, outros se lançam aos muros na tentativa de fazer parte, só em parte. Entre esses dois polos, variedades ao infinito de enlaces nãotodos se oferecem à navegação. É com esse espírito de quase, mas não todo, que reunimos os textos que compõem esse número. O significante ‘opção’ não deixa de ter nisso um papel.
A tradição é publicar um texto de Jacques-Alain Miller. Dessa vez, reproduzimos um da revista impressa que, de tão memorável, de tamanho poder de transmissão, precisa voar mais pelo espaço digital. Trata-se de “Os seis paradigmas do gozo”, cuja leitura ajuda a lidar com as filigranas clínicas e teóricas do campo tão difícil do gozo.
O gozo serve também de senha para enlaçar os demais textos aqui publicados: o gozo do olhar e o corpo tatuado; o gozo na clínica e no laço; nas inibições e nos limites da elaboração clínica; na dimensão aditiva dos sintomas; na aposta no Outro para garantir que ele existe, discutida por Pascal; nos crimes das parcerias violentas; no alcance do que a psicanálise pode diante do seu pior; no que move a maquinaria inconsciente; no excesso feminino da erotomania e da devastação.
Cada um dos textos mencionados traz, na forma própria a cada autor, uma discussão e uma lição psicanalítica sobre o gozo.
Ao leitor, o prazer de suas escolhas.
Heloisa Caldas
Sumário
Os seis paradigmas do gozo
Jacques-Alain Miller
Tatuagem e laço social
Antônio Beneti
A clínica e o laço
Alicia Arenas
A elaboração e os limites da elaboração na clínica de hoje
Lilany Pacheco
A dimensão aditiva do sintoma
Glória Maron
Lacan e a aposta de Pascal
Maria Bernadette Pitteri
Crime ou parceria amorosa violenta: interlocuções entre psicanálise aplicada e direito
Elaine de Souza Cordeiro e Ruth Cohen
O que pode a psicanálise diante do destino para o pior? Considerações sobre a direção de tratamento das toxicomanias no avesso do mestre contemporâneo
Adriana Lipiani, Cláudia Henschel de Lima,José Alberto Ferreira,Julia Reis da Silva Mendonça, Vera Aragon.

Notas sobre a maquinaria inconsciente e a ordem simbólica
Luis Francisco E. Camargo
Estrutura, devastação e erotomania: um estudo preliminar
Jussara Jovita Souza da Rosa

terça-feira, 20 de março de 2012

"Pai, não vês que estou queimando?"

Através dessa frase, "Pai, não vês que estou queimando?", Freud apresenta a pergunta de um filho a um pai, pergunta que surge no sonho e denuncia a existência de algo mais além da mera realização de desejo. Esse é um sonho de um pai que velava o filho morto, apresentado por Freud em "A interpretação dos sonhos". O homem se encontrava num quarto ao lado do filho morto e deixara um velho vigiando o corpo do menino. Em algum momento o pai adormece e sonha que o filho está de pé ao seu lado e lhe diz “Pai, não vês que estou queimando?”. Nesse momento o homem desperta e vê que realmente o corpo do filho estava queimando por conta de uma vela que caíra sobre ele enquanto o velho que o vigiava dormira.

Esse sonho corrobora a tese de que o sonho é uma realização de desejo – na medida em que no sonho o filho se encontrava vivo –, porém aponta um novo elemento: o sentimento de culpa (Freud, 1900-1901, p. 587). Por isso podemos localizar na análise desse sonho os antecedentes do conceito do supereu, tal como Freud assinala em uma nota de rodapé acrescentada ao texto em 1930: “este seria o local apropriado para uma referência ao ‘superego’, uma das descobertas posteriores da psicanálise – Uma classe de sonhos que constitui uma exceção à ‘teoria do desejo’”.

Lacan (1964, p. 60) destaca que, apesar do sonho analisado por Freud confirmar a teoria do desejo –, pois o filho está vivo e o pai pode continuar dormindo –, este também aponta para a existência de algo além da fantasia e para o “pecado do pai”, destacado por Freud como "sentimento de culpa", que é não estar à altura de sua função de velar o filho morto:

O filho morto, pegando o pai pelo braço, visão atroz, designa um mais-além que se faz ouvir no sonho. O desejo aí se presentifica pela perda imajada ao ponto mais cruel, do objeto. É no sonho somente que se pode dar a esse encontro verdadeiramente único. Só um rito, um ato sempre repetido, pode comemorar esse encontro imemorável.

quarta-feira, 7 de março de 2012

A posição feminina e a posição histérica

Quando ouvimos falar em posição feminina e posição histérica podemos nos confundir em relação a esses termos, e muitas vezes acharmos que eles são similares.

Contudo Carolina Rovere, em "Caras del goce femenino", marca essa diferença. Para tal cita Lacan no Seminário 3. Apesar de ser um livro dedicado a psicose, Lacan apresenta dois capítulos em que fala sobre a pergunta histérica. O que interessa na pergunta colocada na histeria é precisamente o que a diferencia do mecanismo da psicose. A neurose como estrutura se organiza ao redor de uma pergunta, enquanto que a psicose é a clínica da reposta, como observamos no famoso caso de paranóia trabalhado por Freud, o caso Schreber, em que tal paciente sabia o que era ser uma mulher, não havia dúvidas em relação a isso.

A pergunta da histérica é "o que é ser uma mulher?". Tal pergunta se coloca porque o sexo feminino é enigmático, nunca se sabe se uma mulher está realmente gozando ou não. Enquanto o gozo do homem, gozo fálico, não tem nada de enigmático, ele não pode fingir, não pode enganar.

Retornando à diferença entre a posição feminina e a posição histérica, Carolina Rovere assinala que a posição feminina é a identificação ao objeto paterno, ao objeto de desejo do pai. Por outro lado a posição histérica se trata de uma identificação imaginária ao pai, como é o caso descrito por Freud de Elisabeth Von R. que após a morte do pai se identificou ao lugar que o mesmo ocupava, no lugar do filho homem que o pai sempre desejou ter. Também através do caso Dora observamos a identificação imaginária ao pai realizada pela histérica, em que o sintoma da paciente (afonia) trazia o signo da impotência paterna.

Sugiro a leitura desse livro de Carolina Rovere, da Editora Letra Viva, de Buenos Aires, em que a psicanalista se aprofunda na investigação do gozo feminino.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Moisés e o Monoteísmo

Em “Moisés e o monoteísmo”, Freud (1939) desenvolve a questão da função do pai em psicanálise ao retomar a situação mítica da horda primeva e verificar que após a organização de uma comunidade de irmãos, que possibilitou a exogamia e o totemismo, tem início o retorno do recalcado. Se inicialmente havia a adoração de vários deuses, ao longo do tempo o politeísmo cedeu lugar ao monoteísmo, em que todo poder foi concedido a um deus único, que a imagem do pai primevo passou a ser tanto adorado como temido: “somente assim foi que a supremacia do pai da horda primeva foi restabelecida e as emoções referentes a ele puderam ser repetidas” (ibidem, p. 147).

Esses modelos garantiram a vida em comunidade através da renúncia à pulsão, de modo que a “renuncia instintual sob a pressão da autoridade substitui e prolonga o pai” (ibidem, p. 134). Entretanto, as forças inibidoras à satisfação individual, que eram operadas por fatores externos, sofreram um processo de internalização que originou uma diferenciação no ego e a construção de uma instância que confrontava o restante do ego num sentido crítico. Desse modo, o supereu é a instância que perpetua as proibições e censuras exercidas antes pelo pai; e ao cumprir esses mandamentos a criança espera a recompensa pelo amor (ibidem, p. 132).

Considerando o processo que leva à renúncia pulsional e ao recalque, compreendemos que através deste a identificação com o pai na primeira infância se prolonga com a internalização das ordens e proibições, por meio do supereu. Por outro lado, os desejos incestuosos ou incompatíveis com o eu são suprimidos. Contudo estes conteúdos que foram recalcados e que, portanto, se tornaram inconscientes, podem voltar a se manifestar, por exemplo, através dos sintomas:

Em algum ponto fraco, ele abre para si outro caminho ao que é conhecido como satisfação substitutiva, que vem a luz como sintoma, sem a aquiescência do ego, mas também sem sua compreensão. Todos os fenômenos da formação de sintomas podem ser justamente descritos como o ‘retorno do reprimido’. Sua característica distintiva, contudo, é a deformação, de grandes conseqüências, a qual o material que retorna foi submetido, quando comparado com o original (ibidem, p. 141).

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Texto de Lêda Guimarães "Te Devoro"


No link acima do facebook tive acesso a um texto de Lêda Guimarães, psicanalista da AMP-EBP, que segue abaixo:

"As neuroses contemporâneas desafiam os analistas. O declínio da operatividade do NP na configuração simbólica da nossa época abre as comportas para um gozo feroz que conduz facilmente à mortificação. O imaginário floresce num esforço espontâneo da estrutura subjetiva para tentar fixar uma suplência, mas o reinado da imagem do Eu não contém os estragos desse desvario.

Se do lado dos homens a incidência do autismo cresce em proporções alarmantes - engendrando homens psicóticos que já nascem mortos como sujeito, pois que nem sequer alcançam a alienação especular - do lado das mulheres a tristeza se alastra - aspirando no poço escuro da desistência da vida a magnífica imagem atual d´A Mulher-Toda linda, sensual, poderosa.

Os instrumentos clássicos dos analistas para operar uma redução de gozo - a interpretação como enigma, a sessão curta, o corte, o silêncio e o semblante de neutralidade - não operam nenhum efeito analítico nessas neuroses atuais, pelo contrário, expulsam os demandantes dos seus consultórios, deixando-os desabrigados diante da melodia ilusória do canto da sereia das Terapias Cognitivas Comportamentais, estas que amordaçam mais e mais a dimensão viva do desejo sob o império do Eu. Desse modo, o cogito cartesiano 'penso, logo existo' revela sua verdadeira face no predomínio das defesas obsessivas: 'penso, logo morro'.

Como oferecer e acolher esses sujeitos no ato analítico? Ato que vivifica a dimensão faltante do amor e do desejo, instituindo um laço social que resgata os sujeitos da solidão mortífera do gozo. A partir dessa questão, apresentarei nesse trabalho alguns norteadores, a partir do que venho me deixando ensinar em minha prática psicanalítica com as mulheres contemporâneas.

As estratégias na transferência se impõem como o lastro que fixará os efeitos da tática utilizada pelo analista no discurso do sujeito. As estratégias na transferência, quando aliadas a uma política dirigida para o real do gozo, tomam ao seu encargo o trabalho de abertura gradativa da dimensão da falta no Outro. O que não poderá ser instituído nessas neuroses pela via do mutismo do analista, pois seu silêncio, longe de introduzir a dimensão enigmática do desejo do Outro, incide sobre esses sujeitos como um imperativo superegoico mortificante: "você deve estar pensando que eu não tenho jeito mesmo".

Portanto, as neuroses contemporâneas convoca o analista para o uso de estratégias na transferência que reduzam a potência do Outro quase absoluto em seu imperativo superegoico de gozo. O que requer do analista a oferta dum semblante de leveza, docilidade, amorosidade, dedicação, gentileza."


É muito interessante e importante o texto de Lêda para o cenário da psicanálise nos dias de hoje tão marcada pela visão antiquada do analista mudo diante do analisante, e das sessões que não passam de 15 minutos. As sessões curtas, a neutralidade do analista - cheguei a ouvir dos colegas iniciantes na psicanálise que devíamos fazer "cara de empada", o que me causou riso -, e o silêncio, como nos diz Lêda, e acho que isso é o que é mais importante, NÃO produzem efeitos analíticos. Justamente o que possibilita efeitos clínicos é o acolhimento, o interesse pelo sofrimento psíquico daqueles que estão ali, e uma insistência desejante para que falem...

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

"Complexo de Édipo" por Salvador Dalí


Nieves Sorias, psicanalista do Campo Freudiano, em seu livro "Inhibición, Síntoma y Angustia"  faz uma análise precisa do quadro "Complexo de Édipo" de Salvador Dalí.

Encontramos nesse quadro uma forma imprecisa, difícil de definir, amorfa, que está esburacada, com algumas fissuras e manchas. Nieves Sorias assinala que essa figura evidencia a estrutura neurótica.

Por outro lado no quadro aparece um objeto, um cetro com plumas, que segundo Nieves Sorias, é um emblema da queda do pai, do pai morto. No final da pintura de Dalí encontramos Édipo após matar o pai se dirigindo ao horizonte.

Ainda abaixo da estrutura que se encontra no centro do quadro encontramos um pequeno objeto caído, também difícil de definir por ser amorfo, que deixa uma sombra sobre a estrutura. Há também uma figura humana semi-esquelética, indefinida a respeito do sexo, que segundo Nieves Sorias encarna por excelência o que é o sujeito neurótico em sua indefinição, sem rosto, e no lugar da cabeça está um vazio, onde podemos localizar a dimensão da pergunta, o que Lacan localiza em seu grafo do desejo como a pergunta sobre o desejo do Outro: "O que o Outro que de mim?".

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O pai mítico de "Totem e Tabu"

 



Freud escreveu o texto "Totem e Tabu" em 1912-1913 para falar do pai mítico, o pai da horda primeva. Sabemos que a função paterna é fundamental para a constituição da neurose, e sua não operatividade para a constituição de uma estrutura psicótica.

Freud retoma Charles Darwin, o qual apresentou uma hipótese acerca do estado dos homens primitivos, para desenvolver sua teoria do pai primordial. Segundo Darwin, em um período remoto, os homens viviam em grupos ou hordas, onde o macho mais velho e forte dominava os outros e impedia a promiscuidade sexual (Darwin apud Freud, ibidem, p. 131).

Com base nisso Freud descreve o tipo mais primitivo de uma organização social: a horda primeva. O mito do pai totêmico expressa a violência deste pai da horda primeva e seus ciúmes, ele possuía todas as mulheres e as proibia aos demais membros da tribo. Para tal, expulsava os filhos quando chegavam à idade adulta para que não fossem uma ameaça ao seu domínio.
Freud entende que, em algum momento, os filhos expulsos da tribo se reúnem e retornam à horda para matar e devorar o pai. Para terem acesso ao gozo interditado pelo pai, os filhos assassinam esse pai terrorífico que desencadeava angústia. Ao matá-lo, os irmãos colocam fim à horda patriarcal, mas ao devorá-lo se identificam com o pai primitivo com o intuito de adquirir sua força. No banquete totêmico eles repetiamm e comemoravam em grupo esse “ato memorável e criminoso, que foi o começo de tantas coisas: da organização social, das restrições morais, da religião” (ibidem, p. 145).

Desse modo, o sentimento de culpa que poderia advir desse ato é aliviado porque todos do clã participam da refeição. Porém a comunidade de irmãos não teve sucesso na organização da sociedade, na medida em que são tomados por um grande sentimento de culpa diante da irrupção, sob a forma de remorso, do sentimento de afeição recalcado, da ambivalência amor-ódio em relação ao pai. Ao colocarem o ódio em prática através do assassinato do pai, o amor que estava recalcado surgiu sob a forma de remorso. Esse sentimento de culpa fez com que o pai se tornasse mais forte do que quando era vivo. Como tentativa de solução ao sentimento de culpa, os filhos instituem novas leis, entre elas a proibição do ato criminoso através da proibição da morte do totem confirmado como substituto do pai: “criaram assim, do sentimento de culpa filial, os dois tabus fundamentais do totemismo, que, por essa própria razão, corresponderam inevitavelmente aos dois desejos reprimidos do complexo de Édipo: o homicídio e o incesto” (ibidem, p. 147).

Assim, observamos que a cultura e a organização social não foram alcançadas com a morte do pai, somente com o pacto feito entre os irmãos, baseado na renúncia e na partilha. Desse modo, foi necessário que eles deificassem o pai morto para resgatar os tabus e restrições morais necessárias à vida civilizada, assim como Freud afirma nesse texto monumental e repete tempos depois nos textos “Psicologia de grupo e análise do ego” (1921), “O ego e o id” (1923a) e “Moisés e o monoteísmo” (1939).

Através desse mito, Freud pôde demonstrar como o pai devastador primitivo transforma-se no Pai simbólico que dita os códigos da Lei moral e que funciona como aquele que reforça as exigências do supereu, através do cumprimento dos mandamentos e das regras sociais.