domingo, 23 de outubro de 2011

O afeto e a angústia

"Lacan sempre se esforçou para sustentar que há uma inadequação radical e insuperável do ser falante, de seu corpo, com o mundo. Não há adequação original do afeto com o meio, nenhuma harmonia do ser no mundo, se este ser fala".

Leonardo Gorostiza. Opção Lacaniana, nº 49


Com essa afirmação o autor nos esclarece que o ser falante, ou seja, aquele que entra na linguagem simplesmente pelo fato de existir e por estar no discurso, ele está marcado pela inadequação, pelo desconforto de seu corpo com o mundo, do afeto com o meio e do impossível que marca a comunicação entre os sujeitos. Os ruídos são inerentes à comunicação, pois sabemos que o inconsciente se manifesta em nossa fala através dos lapsos e atos falhos. Assim muitas vezes dizemos o que não queremos e escutamos o que não foi dito.

Lacan afirma que todos são marcados pela linguagem desde o momento do nascimento, e os neuróticos são marcados pelo discurso. Este funda o sujeito barrado, o sujeito do incosciente. Se os significantes são recalcados o mesmo não ocorre com os afetos. Estes permanecem livres e por isso se deslocam, de modo que nos vemos surpreendidos por algo que sentimos que não conseguimos explicar conscientemente, ou não conseguimos dar sentido. Assim, o afeto deve ser abordado na relação do sujeito com o Outro.

Na experiência psicanalítica o afeto central é a angústia, o afeto que não engana, signo do real. E esse afeto vem à tona quando o sujeito se encontra com o objeto a.
"É somente através dela - da angústia  e sua certeza - que podemos seguir mantendo aberta a pergunta sobre o 'porquê' ligado à existência, a pergunta que o caminho da modernidade da ciência e da tecnologia quer nos fazer esquecer ao propor uma redução da angústia a um mero 'estado de corpo' desconhecendo sua dimensão existencial' ".

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A toxicomania e a inexistência do Outro

Constata-se na atualidade um enfraquecimento do Pai que autenticava o sujeito do inconsciente e operava como um regulador de gozo. O declínio da imago paterna foi antecipado por Lacan (1938, p.66) em “Os complexos familiares na formação do indivíduo” e retomado em “Radiofonia” sob a expressão “ascensão ao zênite social do objeto pequeno a (Lacan, 1970/2003: 411). Do mesmo modo, Jacques-Alain Miller (2005) no texto “Uma fantasia” aponta o lugar dominante do objeto a, que se impõe ao sujeito como imperativo de gozo e o convida a ultrapassar as inibições, motivo pelo qual é a bússola da civilização atual em que o Outro não existe.

Dessa maneira, verifica-se o aumento do que vem sendo denominado de novos sintomas, isto é, uma fenomenologia que não se apresenta tal como o sintoma psicanalítico que se espera encontrar no início do tratamento. Na clínica das toxicomanias observa-se que a nomeação comum na fala dos drogadictos – “eu sou toxicômano” – é propiciada pelo discurso da ciência. Ao se identificar ao objeto-droga tenta se livrar da relação sujeito-Outro em prol de um gozo auto-erótico.

Segundo Naparstek (2005, p.09-17), verifica-se na clínica atual das toxicomanias um aumento do diagnóstico de psicose. A tese lacaniana acerca das drogas como o que permite romper com o gozo fálico é valida somente para a neurose. Desse modo, faz-se necessário re-situar a relação entre a toxicomania e a psicose, em que a droga pode operar como uma suplência possibilitando uma estabilização, a partir das Conversações Clínicas de Antibes e de Arcachon, que colocam uma alternativa a classificação de psicose pautada nos fenômenos clínicos em função da foraclusão do Nome-do-Pai (P0) e da falência do significante fálico (F0).

Para realizar um diagnóstico diferencial de psicose e direcionar o manejo transferencial, o analista precisa promover a escuta do que leva cada sujeito a recorrer à droga e quais são “as marcas singulares da história de um sujeito que serão imprescindíveis para chegar a um diagnóstico sob transferência” (Zaffore, 2005, p.39).

Orientado pela clínica borromeana, o analista pode interpretar os relatos freqüentes de usuários de drogas acerca do vazio existencial, da sensação de irrealidade, da falta de afetividade, como índice de uma estrutura psicótica (Recalcati, 2003, p.14). Apesar de estarem ausentes os efeitos devastadores do gozo – como alucinação, delírios de influência e de transformação do corpo –, a categoria “psicose ordinária” – cunhada por Miller (2003) em La psicosis ordinaria: la convención de Antibes – permite destacar outros elementos como índices para um diagnóstico de psicose:

a) o “novo desencadeamento”, caracterizado pelos desenlaces do Outro, perdas identificatórias e vivências impossíveis de serem significantizadas (ibidem, p. 74).

b) a “nova transferência”, definida a partir da hipótese de que alíngua – fundadora, única e última – motiva a nova transferência ao se colocar “como um novo tear para tecer o laço social” (ibidem, p. 132).

c) a “nova conversão”, que consiste em fenômenos ligados ao corpo determinados pela ausência da significação fálica e demonstram como o sujeito se arranja com seu desejo para gozar. A toxicomania, por exemplo, evidencia que ao tomar o corpo a partir do mais-de-gozar se resolve a questão da satisfação do desejo (ibidem, p. 106).

O recurso à droga como uma tentativa de estabilização na psicose é falha desde o início, pois, diferente do delírio de Schreber e da escrita de Joyce, revela um tratamento do real pela via do objeto produzido pela ciência, que coloca o sujeito no limite da passagem ao ato.

A direção de tratamento que a psicanálise propõe para a clínica das toxicomanias consiste na pergunta acerca da função da droga para cada um e na oferta de um espaço onde a partir da fala pode-se descolar do significante social “toxicômano”. Um ponto fundamental é a questão do manejo transferencial, que cria a possibilidade de re-construção da história, da envoltura narcísica e dos laços sociais.

domingo, 9 de outubro de 2011

A fundação da Escola Freudiana de Paris por Jacques Lacan

Ao fundar sua Escola, Lacan partiu do princípio de que os analistas estão permanentemente em formação, na medida em que há um real que funciona como causa de desejo para cada um dos seus membros, mas constitui ao mesmo tempo uma dificuldade institucional.
Levando em conta o princípio de que a prática e a formação de um analista da Escola está direcionada a um ponto de impossível, a política da instituição estará sempre articulada a uma clínica. Assim sendo as análises, seus possíveis finais, os passes e pós passes, além de funcionarem como produção de saber, funcionam também como tratamento do mal estar da Escola.
Fernando Coutinho



Em 21 de junho de 1964, reafirmando, ao mesmo tempo, a validade da experiência psicanalítica e a necessidade de estabelecer-lhe o princípio freudiano na teoria e na prática, Jacques Lacan introduzia, simultaneamente, a noção de uma forma associativa até então inédita: no lugar da Sociedade que se tornou tradicional, baseada sobre o reconhecimento mútuo dos didatas, ele propôs a Escola, cujos membros encontrariam no reconhecimento de um não saber irredutível – S(A) – que é o próprio inconsciente, o ponto de partida para prosseguir um trabalho de elaboração orientada pelo desejo de uma invenção de saber e de sua transmissão integral, o que Lacan devia chamar, mais tarde, de matema. Sobre esse fundamento abissal, cobrindo-o com seu nome próprio, ele estabelecia sua Escola e convocava à reconquista do campo freudiano.



"O apelo de Lacan ressoou para além da dissolução Escola que ele havia fundado – ressoou para além de sua morte, ocorrida em 9 de setembro de 1981 – ressoou longe de Paris, onde ele viveu e trabalhou". Assim se expressava, em 1º de fevereiro de 1992, o texto do Pacto de Paris, redigido no momento em que a École de la Cause Freudienne, a Escuela del Campo Freudiano de Caracas, a École Européenne de Psychanalyse du Champ Freudien e a Escuela de la Orientación Lacaniana del Campo Freudiano decidiram convergir rumo à Associação Mundial de Psicanálise que acaba de ser fundada por Jacques-Alain Miller.



Retirado do site da EBP http://www.ebp.org.br/

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O dispositivo do Passe

"O passe é um esforço para fazer passar o saber transferencial obtido graças aos instantes de abertura do inconsciente, para o lado da Escola." Pierre-Gilles Guéguen

GRACIELA BRODSKY, fala sobre sua experiência com o dispositivo do passe e sobre a exposição oral dos AEs (Analistas da Escola) durante a transmissão, o testemunho do passe, que ocorre quando se chega ao fim de análise e para além da travessia da fantasia se constrói um saber-fazer com os restos sinthomáticos:

"Alguns querem mesmo a carne, o que faz me lembrar de um conto de Alphonse Allais do qual Lacan gostava muito: uma mulher faz strip-tease, o público quer que ela tire a roupa e ela vai fazendo isso até ficar nua, mas, quando está nua, arrancam-lhe a pele. Esse público queria ver cada vez mais, o que nunca se alcança"
(Revista Correio, nº67).