sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A toxicomania e a inexistência do Outro

Constata-se na atualidade um enfraquecimento do Pai que autenticava o sujeito do inconsciente e operava como um regulador de gozo. O declínio da imago paterna foi antecipado por Lacan (1938, p.66) em “Os complexos familiares na formação do indivíduo” e retomado em “Radiofonia” sob a expressão “ascensão ao zênite social do objeto pequeno a (Lacan, 1970/2003: 411). Do mesmo modo, Jacques-Alain Miller (2005) no texto “Uma fantasia” aponta o lugar dominante do objeto a, que se impõe ao sujeito como imperativo de gozo e o convida a ultrapassar as inibições, motivo pelo qual é a bússola da civilização atual em que o Outro não existe.

Dessa maneira, verifica-se o aumento do que vem sendo denominado de novos sintomas, isto é, uma fenomenologia que não se apresenta tal como o sintoma psicanalítico que se espera encontrar no início do tratamento. Na clínica das toxicomanias observa-se que a nomeação comum na fala dos drogadictos – “eu sou toxicômano” – é propiciada pelo discurso da ciência. Ao se identificar ao objeto-droga tenta se livrar da relação sujeito-Outro em prol de um gozo auto-erótico.

Segundo Naparstek (2005, p.09-17), verifica-se na clínica atual das toxicomanias um aumento do diagnóstico de psicose. A tese lacaniana acerca das drogas como o que permite romper com o gozo fálico é valida somente para a neurose. Desse modo, faz-se necessário re-situar a relação entre a toxicomania e a psicose, em que a droga pode operar como uma suplência possibilitando uma estabilização, a partir das Conversações Clínicas de Antibes e de Arcachon, que colocam uma alternativa a classificação de psicose pautada nos fenômenos clínicos em função da foraclusão do Nome-do-Pai (P0) e da falência do significante fálico (F0).

Para realizar um diagnóstico diferencial de psicose e direcionar o manejo transferencial, o analista precisa promover a escuta do que leva cada sujeito a recorrer à droga e quais são “as marcas singulares da história de um sujeito que serão imprescindíveis para chegar a um diagnóstico sob transferência” (Zaffore, 2005, p.39).

Orientado pela clínica borromeana, o analista pode interpretar os relatos freqüentes de usuários de drogas acerca do vazio existencial, da sensação de irrealidade, da falta de afetividade, como índice de uma estrutura psicótica (Recalcati, 2003, p.14). Apesar de estarem ausentes os efeitos devastadores do gozo – como alucinação, delírios de influência e de transformação do corpo –, a categoria “psicose ordinária” – cunhada por Miller (2003) em La psicosis ordinaria: la convención de Antibes – permite destacar outros elementos como índices para um diagnóstico de psicose:

a) o “novo desencadeamento”, caracterizado pelos desenlaces do Outro, perdas identificatórias e vivências impossíveis de serem significantizadas (ibidem, p. 74).

b) a “nova transferência”, definida a partir da hipótese de que alíngua – fundadora, única e última – motiva a nova transferência ao se colocar “como um novo tear para tecer o laço social” (ibidem, p. 132).

c) a “nova conversão”, que consiste em fenômenos ligados ao corpo determinados pela ausência da significação fálica e demonstram como o sujeito se arranja com seu desejo para gozar. A toxicomania, por exemplo, evidencia que ao tomar o corpo a partir do mais-de-gozar se resolve a questão da satisfação do desejo (ibidem, p. 106).

O recurso à droga como uma tentativa de estabilização na psicose é falha desde o início, pois, diferente do delírio de Schreber e da escrita de Joyce, revela um tratamento do real pela via do objeto produzido pela ciência, que coloca o sujeito no limite da passagem ao ato.

A direção de tratamento que a psicanálise propõe para a clínica das toxicomanias consiste na pergunta acerca da função da droga para cada um e na oferta de um espaço onde a partir da fala pode-se descolar do significante social “toxicômano”. Um ponto fundamental é a questão do manejo transferencial, que cria a possibilidade de re-construção da história, da envoltura narcísica e dos laços sociais.

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