segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Um curto circuito na fantasia


Acontece que na atualidade o sujeito do inconsciente, sujeito dividido, acaba submergindo quando os sujeitos se lançam no uso excessivo de drogas. Se antigamente o uso de drogas era marcado pelo simbolismo, pela busca de sentido, como o uso de drogas para buscar a espiritualidade, ou como símbolo da contracultura e da revolta, na atualidade há uma perda de sentido, há um vazio, é a era da toxicomania banalizada (Naparstek. F., 2011. Pharmacon 12).

O uso desmedido do álcool e de outras drogas é um ato de ruptura com o Outro (sexo) para fazer um com a droga; é um curto circuito na fantasia, uma ruptura com o gozo sexual, fálico, em prol de um casamento com a droga. Para que o sujeito não tenha que lidar com sua própria falta, com sua divisão, ele coloca ali a droga, como um tampão.

Essa satisfação autoerótica que o sujeito obtém com a droga, causa a ilusão de que se está completo, de que não precisa mais de nada. Essa ilusão de completude acaba afastando os toxicômanos e alcoolistas de suas famílias, trabalho, amigos. É difícil para aqueles que estão em torno dos toxicômanos ou alcoolistas perceberem quando o uso se torna um abuso e quando estes precisam de tratamento, entender que o paciente passou de consumidor a consumido pelo objeto droga, produto da sociedade de consumo.

Não se trata de um trabalho fácil nem rápido quando o objetivo é tratar toxicômanos e alcoolistas. Não é simplesmente comunicar a ele que tem que parar de usar em função de sua saúde e de suas perdas. Mas a partir da redução, da redução de danos, ajudá-lo a ir se re-apropriando das dúvidas, das perdas, de sua própria divisão que é o que o caracteriza como sujeito do inconsciente.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Ainda sobre a ciência e a psicanálise


Da última vez no blog escrevi sobre como a psicanálise reescreve o cogito cartesiano “Penso, logo existo” ou “Penso, logo sou” para o “Sou onde não penso”, “Penso onde não sou”. É uma forma de afirmar o inconsciente e contrapô-lo a consciência.
 
O Inconsciente é o que revela o sujeito como dividido, como nos elucidou Freud, através dos chistes, atos falhos, sonhos. Por isso a psicanálise prima pelo método da atenção flutuante, pois o analista deve estar atento para os equívocos do paciente, onde ele vacila e emerge as formações do inconsciente, ali onde ele fala uma palavra querendo dizer outra, ou um não, que significa um sim. Lembro que fui atender um paciente na semana passada na emergência de um hospital, ele estava há 8 noites sem dormir, e me disse que não era por causa da ansiedade pré-cirurgia. É assim: no inconsciente um não pode significar um sim, não há uma ordem no inconsciente. Ele é atemporal, fora de ordem e se revela por meio da consciência de forma velada, afinal não íamos suportar tudo que o inconsciente tem a nós dizer.

A fantasia que temos, ou melhor, que construímos, são, assim, modos que esse sujeito dividido, sujeito do inconsciente, tem para lidar o mundo. A fantasia nos permite existir no mundo! Sem ela só há o real, e também não estamos preparados para lidar com ele! Só com análise, muita análise! A fantasia tem sempre relação com o objeto. O objeto em suas cinco formas, como nos disse Lacan no Seminário 10, oral, anal, falo, olhar e voz. Para que se caminhe, em análise, para o atravessamento da fantasia é preciso que se inicie pelo sintoma, ou seja, daquilo que o sujeito se queixa, muitas vezes o que aparece no corpo ou fala por ele, por exemplo dores de cabeças intermináveis, alergias intratáveis, prisões de ventre, mal-estar, insônia etc. A lista é interminável, mas os resultados se parecem: quando acaba o sintoma vem a angústia. Angústia porque o sujeito vai se aproximando mais de sua divisão, de sua relação com o objeto.
 
Para cada caso, então, um tratamento singular, orientado pela psicanálise, orientado pela estrutura clínica! Principalmente para quem está inciando, é preciso ter cautela, não pensar que já sabe do diagnóstico de antemão. As entrevistas preliminares servem para isso, orientar o diagnóstico e o tratamento, por isso a importância dos estudos e supervisões! A psicanálise é teórico-clínica e nos exige isso, a cada passo uma parcela a mais de investimento.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Notas sobre a ciência e a psicanálise

Lendo um artigo intitulado “Respostas aos estudantes de filosofia sobre o objeto da psicanálise” de Lacan (1966), me fez lembrar o quanto pode se confundir a psicanálise com um misticismo ou obscurantismo quando se interroga sobre a presença da consciência na psicanálise. No filme “Um método perigoso” que traz cenas muito interessantes do diálogo entre Freud e Jung e sua posterior cisão, mostra como Freud adverte Jung do perigo da psicanálise ser confundida com o misticismo, por isso a importância e o rigor de nos atermos aos princípios básicos da psicanálise, que no início Freud denominava como a base sexual, ou diríamos da castração, presente na formação da estrutura neurótica.

Lacan relê a afirmação filosófica “Penso, logo sou”, de Descartes, ao afirmar que o objeto da psicanálise não é o homem, mas o que lhe falta, ou seja, a falta de um objeto, que é o que caracteriza o sujeito como dividido. O sujeito é onde ele não pensa! O que denuncia a dimensão do Inconsciente.

“Ao ser considerado somente no tempo, este sujeito do “eu penso” revela o que ele é: o ser de uma queda”.

O sujeito da psicanálise é o sujeito do Inconsciente.

Diz Lacan que ainda devemos nos atentar para o perigo da redução do sujeito ao ego, o que ocorre com as ditas psicologia, “este acessório sem uso, chamado ego, que só serviu de insígnia à psicologia desde que ela se quis um pouco mais objetiva...”. A verdadeira natureza do ego em Freud se refere a identificação imaginária.

Não é a sua consciência que o sujeito está condenado, mas a seu corpo, que resiste de muitas maneiras a realizar a divisão do sujeito.