quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

O pré-estruturalismo e a primeira teoria do desenvolvimento de Jacques Lacan


Como apontado por Miller (2005) no texto "Leitura crítica dos “Complexos familiares”, de Jacques Lacan", encontramos no texto de Lacan (1938) “Os complexos familiares na formação do indivíduo” uma primeira teoria do desenvolvimento, em que ele apresenta os três tempos na forma de complexos e define a formação psíquica dos indivíduos a partir dos complexos familiares. Apesar de distinguir nesse texto o eu (moi) do sujeito, Lacan ainda não se vale das ferramentas propostas pelo estruturalismo de Jakobson e Lévi-Strauss. Desse modo, Miller (2005, p.9) defende que encontramos nesse texto um Lacan pré-estruturalista, na medida em que lhe falta a precisão do simbólico, da estrutura e da noção de significante, que aparecem em seu texto sob a forma da cultura, do complexo e da imago, respectivamente.

Segundo Lacan (1938), as instituições familiares têm papel primordial na transmissão da cultura, das leis e na formação psíquica dos sujeitos. Ele define a família a partir dos complexos, que corresponde a um agregado de percepções, sentimentos e sensações; sendo que o complexo é dominado por fatores culturais e reproduz uma certa realidade do ambiente: “os complexos demonstraram desempenhar um papel de “organizadores” no desenvolvimento psíquico” (Lacan, 1938, p.35).

Lacan apresenta três complexos: do desmame, da intrusão, e o complexo de Édipo.

1. O complexo do desmame apesar de ser o mais primitivo do desenvolvimento psíquico é regulado culturalmente, ou seja, não é uma regulação natural. Ele deixa uma marca na relação biológica que interrompe, a amamentação, e pode, ou não, causar um trauma psíquico, como nos casos das anorexias nervosas, toxicomanias pela boca e neuroses gástricas, em que os sujeitos repetem indefinidamente o esforço de se separar da mãe. O complexo é definido em oposição ao instinto, pois este tem um suporte orgânico, enquanto que o complexo só tem uma relação orgânica quando “supre uma insuficiência vital pela regulação de uma função social” (Lacan, 1938, p.40). É o que ocorre no caso do complexo do desmame, onde a sublimação da imago materna se torna particularmente difícil. Miller (2005) aponta que podemos encontrar nesse texto, a partir da diferenciação que Lacan faz entre complexo e instinto, o conceito de apoio. O complexo tem um fundamento biológico, mas ele se apóia no instinto. A noção de apoio é a base para a compreensão do conceito de pulsão, trabalhado posteriormente no ensino de Lacan como um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise, situado na fronteira entre o mental e o somático. A pulsão se apóia no instinto para dele se desviar, na medida em que se desvia de seu objetivo natural, que seria o da autoconservação.

2. O complexo da intrusão consiste no reconhecimento do sujeito entre irmãos. Ou seja, se segue ao declínio do desmame o estádio do espelho, em que o sujeito passa a fazer uma diferenciação entre o eu e o outro, seu semelhante. Utiliza-se o exemplo do ciúme para ilustrar a intrusão, no caso do ciúme do irmão mais velho em relação ao irmão caçula, “seja como for, é através do semelhante que o objeto, assim como o eu, se realiza: quanto mais pode assimilar de seu parceiro, mais o sujeito reforça sua personalidade e sua objetividade” (Lacan, 1938, p.51). Miller (2005, p.13) assinala que se trata, na relação entre o eu e o semelhante, descritas no complexo de intrusão, da relação imaginária, que tem na competição com o rival e no acordo com o igual o próprio motor da sociedade humana.

3. O complexo de Édipo, Lacan apresenta uma revisão deste a fim de relacioná-lo à família patriarcal e a neurose contemporânea. Em relação ao desejo edipiano do menino em relação à mãe, o pai opera enquanto agente da interdição sexual. A conclusão da crise edipiana ocorre com a internalização da lei através do supereu e a sublimação da imagem parental, a identificação ao pai, através da formação do ideal do eu: “a imensa coleta de dados que o complexo de Édipo tem permitido objetivar (...) pode esclarecer a estrutura psicológica da família” (Lacan, 1938, p.55). Ou seja, a concentração na imago paterna da função de repressão e de sublimação caracteriza a família patriarcal.