quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Sobre a regulamentação da psicanálise

No último Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, promovido pela EBP, que ocorrou em BH, tivemos uma discussão muito produtiva acerca da regulamentação da psicanálise no Brasil.
Desde 2000 vem sendo travadas discussões no congresso, principalmente a partir de deputados vinculados a organizações religiosas, a fim de regulamentar a psicanálise no Brasil, tentando inclusive implementar projetos de lei. Com isso, diferentes instituições psicanalíticas começaram a se reunir para lutar contra a regulamentação da psicanálise.
Esse posicionamento advém de vários fatores, dentre outros motivos pode-se apresentar a manutenção da distância entre a psicanálise e o Estado, a não submissão da formação do analista à quantificação e a avaliação, e a compreensão de que uma psicanalista "só se autoriza de si mesmo", proposição essa que Lacan assinala na sessão de 9 de abril de 1974, definindo ali que um analista se autoriza a si mesmo como tal a partir de um tripé que sustenta sua formação: a análise pessoal, a supervisão e o estudo teórico.

Para melhor aprofundar sobre essa discussão recomendo a leitura do texto: http://ebp.org.br/wp-content/themes/ebp/img/contra_regulamentacao_psicanalise.pdf


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

XX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, de 21 a 23 de novembro




XX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano acontecerá em Belo Horizonte/MG do dia 21 a 23 de novembro. 
O tema é "Trauma nos corpos, violência nas cidades", visualizado no link: http://www.encontrocampofreudiano.org.br

Trauma nos corpos, violência nas cidades 

por: Miquel Bassols - Presidente da AMP


"Vivemos em uma época na qual as experiências traumáticas em massa fazem parte do cotidiano. É um fenômeno da nova realidade aumentada e promovida especialmente pela difusão global e imediata de informações e de imagens que permitem assistir, às vezes “ao vivo”, às explosões de violência que se sucedem nas diversas partes do mundo. Não se trata tanto de uma banalização do mal ou da própria violência, —segundo a conhecida expressão de Hannah Arendt à propósito de Eichmann e o nazismo—, mas de sua elevação como um novo objeto que brilha com sua obscura presença no zênite social. Inclusive a violência mais arbitrária e sem um objeto determinado se converteu ela mesma em um objeto que vem no lugar da Coisa freudiana, das Ding, inominável e sem representação possível. A fascinação pela violência chega assim até o mais íntimo e ignorado do fantasma em cada sujeito. Até o ponto de que a violência dirigida pelo sujeito em direção aos outros não se distingue muitas vezes da violência dirigida contra si mesmo."

terça-feira, 14 de outubro de 2014

"O parceiro amoroso da mulher atual" de Lêda Guimarães, em Opção Lacaniana, n.5

" 'Um homem quando ama é uma mulher', assim proferiu Pierre Naveau durante a jornada do ano 2000 da EBP-MG, apoiado na formulação de Lacan 'amar é dar o que não se tem', o que determina que a posição do amante contenha em si a condição de castrado. Por essa razão, a sustentação de uma posição masculina implica numa desvalorização da vertente do amor e na prevalência da vertente erótica na constituição das parcerias, como um mecanismo defensivo fundamental para sustentar a identificação viril enquanto dotado de falo. Mas isso não quer dizer que os homens não saibam amar, como costumam se queixar as mulheres, pois ainda que mantenham como linha de frente o traço perverso da sua fantasia sexual, acabam escolhendo uma mulher, dentre as demais, como seu objeto de amor privilegiado".

A autora nos mostra ainda as mudanças relacionadas as parcerias amorosas ao longo dos séculos. Se a partir do século XII surge o amor côrtes, em que o homem é um cavalheiro gentil, que exaltava a mulher amada, após o feminismo as promessas de amor eterno declinam, de modo que o casal contemporâneo é marcado pelo par: mulher superpotente e homem desvirilizado.

Um dos efeitos importantes, apontados pela autora, das mulheres obsessivas do contemporâneo, liberais, independentes, uma das saídas dos homens é utilizar estratégias próprias à histeria, fazendo surgir o homem metro-sexual "para fazer laço de parceria com as mulheres, para tentar preservar o amor que aí venha a ser nutrido: ele já se apresenta como castrado, destituído de qualquer potência fálica que lembre de perto alguma sombra daquilo que as feministas definem como machismo. Cultivam, assim, o declínio do viril como modo de fazer apelo ao amor".

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Assuntos de família no inconsciente

Miller, J-A. Assuntos de família no inconsciente. Revista eletrônica: asephallus, n º4, maio a out. 2007.

"O que poderíamos dizer hoje dessa definição da família? Que ela tem origem no casamento? Não, a família tem origem no mal-entendido, no desencontro, na decepção, no abuso sexual ou no crime. Que ela seja formada pelo marido, pela esposa e suas crianças, etc? Não, a família é formada pelo Nome-do-Pai, pelo desejo da mãe e pelo objeto a. Que eles são unidos por laços legais, por direitos, por deveres, etc? Não, a família é essencialmente unida por um segredo, ela é unida pelo não dito. Qual é o segredo? Qual é esse não dito? É um desejo não dito, é sempre um segredo sobre o gozo".

terça-feira, 18 de março de 2014

Entrevista de Miller acerca do incesto no caso Fritzl

JACQUES-ALAIN MILLER E O CASO FRITZL

Por e-mail

Num mundo realmente invertido, a verdade é um momento do que é falso.
- Guy Debord
O psicanalista Jacques-Alain Miller examina para Le Point a notícia que abalou a Áustria, onde se descobre como Josef Fritzl, de 73 anos, seqüestrou sua filha por vinte e quatro anos e teve com ela sete filhos. Para Miller, o que sai do comum não é o incesto, é «a regularidade invariável de um ato imundo».
Entrevista.
Le Point: O que pode levar um indivíduo a um tal grau de perversão?
Jacques-Alain Miller: Uma boa educação, à maneira antiga, elevadas virtudes morais... Eu me explico. Por quais traços Das Inzest-Monster, como o chamam os austríacos, permanecerá nos anais clínicos e policiais? Vocês bem vêem que não deverá ser unicamente pelo fato do incesto, prática muito difundida, nem tampouco pelo número de suas vítimas. Se ele é excepcional, o é pela tenacidade, constância, resistência. O que sai do comum é a regularidade invariável de um ato imundo, o método, a minúcia e o espírito de seriedade investidos na realização solitária de um crime abominável único, estendendo-se por um quarto de século. Nenhum erro, nenhum passo em falso, nenhum ato falho. Total quality. Estas são qualidades eminentes, tradicionalmente atribuídas ao caráter germânico. Postas a serviço da ciência e da indústria, elas fizeram a reputação dos países de língua alemã. Aliás, ele era um engenheiro eletricista e dizia à sua mulher que descia ao porão para desenhar planos de máquinas.
Se Gilles de Rais na França, Erzsebeth Bathory na Hungria, grandes feudais dos séculos XV e XVI, permanecem nas memórias é, ao contrário, pela desordem de sua conduta, seus inúmeros estupros e assassinatos. O austríaco, pequeno notável provinciano, também é um tirano, mas puramente doméstico. Ele leva uma existência perfeitamente «caseira», mas desdobrada. É fiel à sua filha Elizabeth, único objeto de seu gozo, da qual faz de algum modo, uma segunda esposa. Dá a ela sete filhos, o mesmo número que tem com sua esposa legítima. Parece que não se pode acusá-lo nem por aborto nem por contracepção: é um bom católico.
Ele opera na maior discrição, sua conduta não ocasiona nenhum escândalo, tanto mais que ele fez essa segunda família viver debaixo da terra, em cubículos cegos nos quais não dá para se ficar de pé, à maneira de Louis XI.
De todo modo, não é sua educação que pode explicar sua conduta!
Fomos informados de que ele foi criado sem pai, por uma mãe que o surrava todos os dias. O fato não deve ter ficado sem conseqüências. Pode-se sempre dizer que ele queria se vingar do objeto feminino e se precaver contra seus caprichos... Mas teríamos muita dificuldade em deduzir daí o seu vício: outras saídas eram possíveis. Em 1967, quando nasceu Elizabeth, seu quarto filho, ele foi detido por causa de um estupro; teria cometido outros. Tudo se passa como se ele tivesse decidido se emendar e limitar-se a uma bigamia incestuosa. Só se conhece dele algumas escapadas sexuais na Tailândia, com colegas, gente importante da cidade. Ele voltava bronzeado, em plena forma, para junto de sua pequena família, que nunca via o sol.
Ele era uma espécie de Dr Jekyll-Mr Hyde ?
Ele era a um só tempo um Pai severo, o Pai da lei, cujo rigor implacável surpreendia aqueles que o viam gerir sua família do andar de cima e, com sua família do andar de baixo, era um Pai gozador, fora da lei. Nesses dois papéis, até certo ponto, ele foi irrepreensível: pensem que ele garantiu, sem falhar um só instante, a subsistência de todos os seus. Ao mesmo tempo, era um escroque, sem dúvida: de suas operações imobiliárias restam apenas dívidas consideráveis. É o Estado que deverá pagar os anos de psicoterapia e reeducação que serão necessários à família do andar de baixo. O montante disso já teria sido avaliado em € 1milhão.
A cultura patriarcal, o sinete católico, a religião do «cada um no seu canto», que marcam a Áustria, tiveram algum papel?
Alguns desses traços valem para a Sicília. Ora, tem-se dificuldade de imaginar uma tal história em Siracusa ou Trapani: lá, as pessoas que vivem entre quatro paredes sem sair são mais os mafiosos perseguidos pelos carabineiros.
Mas será um acaso o fato de, depois do «caso Kampusch», essa notícia irromper na Áustria?
Ocaso Fritzl depois do caso Kampusch, isso faz sentido, necessariamente. Enquanto os Estados Unidos são a terra abençoada dos serial killers, a Áustria se alinha com a Bélgica quanto aos perversos caseiros de subsolo, se assim posso dizer. O presente caso se distingue por sua atmosfera de obediência cega. Não apenas a de sua mulher: Fritzl alugava quartos em sua casa, uma centena de locatários ali desfilou ao longo do tempo, ele lhes dizia para não descerem em seu bunker e nenhum deles cogitou infringir essa proibição. Deploram-se de bom grado as infrações cometidas, nos dias de hoje, a respeito da vida privada: é uma repreensão que não se fará aos austríacos. Na Ybb strasse, tudo estava em ordem, a fachada nos trinques, a geladeira subterrânea bem abastecida, as roupas bem lavadas e passadas. Via-se televisão em família. O bunker? Era um abrigo anti-atômico familiar, construído com a ajuda de subvenções oficiais. Um grande crime popular é sempre um fato social total, para retomar a expressão de Marcel Mauss: é um microcosmo da sociedade, nele, ela se reflete por inteiro. Fritzl: criminoso, talvez, mas, antes de tudo, Korrekt. Sistemático. Nenhum escorregão. Nada de inconsciente. Nenhum sentimento de culpa.
Do ponto de vista da história passada, será que se pode falar de um povo que «recalca» incessantemente, recusando olhar a realidade de frente?
É o que dizem os ingleses. Eles vêem em Fritzl um símbolo da Áustria. Essa é também a idéia do romancista Josef Haslinger. A casa natal de Hitler fica à uma hora e meia de Amstetten pela auto-estrada, Mauthausen mais perto ainda. O chanceler anuncia uma grande campanha internacional de relações públicas para melhorar a imagem da Áustria. Espíritos práticos lhe pedem principalmente verba para os serviços sociais.
Um desenho do Times de Londres mostra a Áustria deitada no divã: atrás dele, Sigmund Freud. Podemos lembrar que o país cuidou para erradicar a psicanálise, ou pouco faltou. O advogado pleiteará alienação mental.Tendo em vista o extremo domínio de si no crime e a duração do delito, a irresponsabilidade não é evidente.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Dica de leitura Revista Opção Lacaniana online

http://www.opcaolacaniana.com.br/nranterior/numero11/index.html

Opção Lacaniana online nova série n.11 abre com alguns textos sobre a voz. Jacques-Alain Miller desenvolve a álgebra pela qual Lacan deu à voz um lugar específico e inovador na psicanálise. Em seguida, Marcus André Vieira dá seu testemunho sobre a erótica da voz, destacando menos o contraste entre voz/silêncio do que entre sentido/fora do sentido. O testemunho de Rômulo Ferreira da Silva narra como a voz se separou do objeto oral revelando-se um acontecimento de corpo; numa perspectiva clínica diversa, Ivan Ruiz pergunta quem escuta o saber silencioso dos autistas.
Outro conjunto de textos se inicia com um de Alexandre Stevens sobre as operações subjetivas relativas ao real do corpo que um adolescente atravessa. Uma aula necessária sobre a teoria lacaniana do sujeito e o real, para que possamos sair dos labirintos do hiperdiagnóstico contemporâneo que tanto afeta os jovens, entre outros. Sobre esse aspecto, Marcelo Veras questiona onde procurar o anormal quando tudo que foge à normalidade é uma ameaça e Sergio Laia nos convida ao tema do VI ENAPOL, apontando os limites do DSM que restringe corpo a organismo e desconsidera as palavras que lhe marcam com o gozo.
Estes e alguns outros textos interessantes compõem esse número da revista que temos o prazer de publicar.

Heloisa Caldas