terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Texto de Lêda Guimarães "Te Devoro"


No link acima do facebook tive acesso a um texto de Lêda Guimarães, psicanalista da AMP-EBP, que segue abaixo:

"As neuroses contemporâneas desafiam os analistas. O declínio da operatividade do NP na configuração simbólica da nossa época abre as comportas para um gozo feroz que conduz facilmente à mortificação. O imaginário floresce num esforço espontâneo da estrutura subjetiva para tentar fixar uma suplência, mas o reinado da imagem do Eu não contém os estragos desse desvario.

Se do lado dos homens a incidência do autismo cresce em proporções alarmantes - engendrando homens psicóticos que já nascem mortos como sujeito, pois que nem sequer alcançam a alienação especular - do lado das mulheres a tristeza se alastra - aspirando no poço escuro da desistência da vida a magnífica imagem atual d´A Mulher-Toda linda, sensual, poderosa.

Os instrumentos clássicos dos analistas para operar uma redução de gozo - a interpretação como enigma, a sessão curta, o corte, o silêncio e o semblante de neutralidade - não operam nenhum efeito analítico nessas neuroses atuais, pelo contrário, expulsam os demandantes dos seus consultórios, deixando-os desabrigados diante da melodia ilusória do canto da sereia das Terapias Cognitivas Comportamentais, estas que amordaçam mais e mais a dimensão viva do desejo sob o império do Eu. Desse modo, o cogito cartesiano 'penso, logo existo' revela sua verdadeira face no predomínio das defesas obsessivas: 'penso, logo morro'.

Como oferecer e acolher esses sujeitos no ato analítico? Ato que vivifica a dimensão faltante do amor e do desejo, instituindo um laço social que resgata os sujeitos da solidão mortífera do gozo. A partir dessa questão, apresentarei nesse trabalho alguns norteadores, a partir do que venho me deixando ensinar em minha prática psicanalítica com as mulheres contemporâneas.

As estratégias na transferência se impõem como o lastro que fixará os efeitos da tática utilizada pelo analista no discurso do sujeito. As estratégias na transferência, quando aliadas a uma política dirigida para o real do gozo, tomam ao seu encargo o trabalho de abertura gradativa da dimensão da falta no Outro. O que não poderá ser instituído nessas neuroses pela via do mutismo do analista, pois seu silêncio, longe de introduzir a dimensão enigmática do desejo do Outro, incide sobre esses sujeitos como um imperativo superegoico mortificante: "você deve estar pensando que eu não tenho jeito mesmo".

Portanto, as neuroses contemporâneas convoca o analista para o uso de estratégias na transferência que reduzam a potência do Outro quase absoluto em seu imperativo superegoico de gozo. O que requer do analista a oferta dum semblante de leveza, docilidade, amorosidade, dedicação, gentileza."


É muito interessante e importante o texto de Lêda para o cenário da psicanálise nos dias de hoje tão marcada pela visão antiquada do analista mudo diante do analisante, e das sessões que não passam de 15 minutos. As sessões curtas, a neutralidade do analista - cheguei a ouvir dos colegas iniciantes na psicanálise que devíamos fazer "cara de empada", o que me causou riso -, e o silêncio, como nos diz Lêda, e acho que isso é o que é mais importante, NÃO produzem efeitos analíticos. Justamente o que possibilita efeitos clínicos é o acolhimento, o interesse pelo sofrimento psíquico daqueles que estão ali, e uma insistência desejante para que falem...

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

"Complexo de Édipo" por Salvador Dalí


Nieves Sorias, psicanalista do Campo Freudiano, em seu livro "Inhibición, Síntoma y Angustia"  faz uma análise precisa do quadro "Complexo de Édipo" de Salvador Dalí.

Encontramos nesse quadro uma forma imprecisa, difícil de definir, amorfa, que está esburacada, com algumas fissuras e manchas. Nieves Sorias assinala que essa figura evidencia a estrutura neurótica.

Por outro lado no quadro aparece um objeto, um cetro com plumas, que segundo Nieves Sorias, é um emblema da queda do pai, do pai morto. No final da pintura de Dalí encontramos Édipo após matar o pai se dirigindo ao horizonte.

Ainda abaixo da estrutura que se encontra no centro do quadro encontramos um pequeno objeto caído, também difícil de definir por ser amorfo, que deixa uma sombra sobre a estrutura. Há também uma figura humana semi-esquelética, indefinida a respeito do sexo, que segundo Nieves Sorias encarna por excelência o que é o sujeito neurótico em sua indefinição, sem rosto, e no lugar da cabeça está um vazio, onde podemos localizar a dimensão da pergunta, o que Lacan localiza em seu grafo do desejo como a pergunta sobre o desejo do Outro: "O que o Outro que de mim?".

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O pai mítico de "Totem e Tabu"

 



Freud escreveu o texto "Totem e Tabu" em 1912-1913 para falar do pai mítico, o pai da horda primeva. Sabemos que a função paterna é fundamental para a constituição da neurose, e sua não operatividade para a constituição de uma estrutura psicótica.

Freud retoma Charles Darwin, o qual apresentou uma hipótese acerca do estado dos homens primitivos, para desenvolver sua teoria do pai primordial. Segundo Darwin, em um período remoto, os homens viviam em grupos ou hordas, onde o macho mais velho e forte dominava os outros e impedia a promiscuidade sexual (Darwin apud Freud, ibidem, p. 131).

Com base nisso Freud descreve o tipo mais primitivo de uma organização social: a horda primeva. O mito do pai totêmico expressa a violência deste pai da horda primeva e seus ciúmes, ele possuía todas as mulheres e as proibia aos demais membros da tribo. Para tal, expulsava os filhos quando chegavam à idade adulta para que não fossem uma ameaça ao seu domínio.
Freud entende que, em algum momento, os filhos expulsos da tribo se reúnem e retornam à horda para matar e devorar o pai. Para terem acesso ao gozo interditado pelo pai, os filhos assassinam esse pai terrorífico que desencadeava angústia. Ao matá-lo, os irmãos colocam fim à horda patriarcal, mas ao devorá-lo se identificam com o pai primitivo com o intuito de adquirir sua força. No banquete totêmico eles repetiamm e comemoravam em grupo esse “ato memorável e criminoso, que foi o começo de tantas coisas: da organização social, das restrições morais, da religião” (ibidem, p. 145).

Desse modo, o sentimento de culpa que poderia advir desse ato é aliviado porque todos do clã participam da refeição. Porém a comunidade de irmãos não teve sucesso na organização da sociedade, na medida em que são tomados por um grande sentimento de culpa diante da irrupção, sob a forma de remorso, do sentimento de afeição recalcado, da ambivalência amor-ódio em relação ao pai. Ao colocarem o ódio em prática através do assassinato do pai, o amor que estava recalcado surgiu sob a forma de remorso. Esse sentimento de culpa fez com que o pai se tornasse mais forte do que quando era vivo. Como tentativa de solução ao sentimento de culpa, os filhos instituem novas leis, entre elas a proibição do ato criminoso através da proibição da morte do totem confirmado como substituto do pai: “criaram assim, do sentimento de culpa filial, os dois tabus fundamentais do totemismo, que, por essa própria razão, corresponderam inevitavelmente aos dois desejos reprimidos do complexo de Édipo: o homicídio e o incesto” (ibidem, p. 147).

Assim, observamos que a cultura e a organização social não foram alcançadas com a morte do pai, somente com o pacto feito entre os irmãos, baseado na renúncia e na partilha. Desse modo, foi necessário que eles deificassem o pai morto para resgatar os tabus e restrições morais necessárias à vida civilizada, assim como Freud afirma nesse texto monumental e repete tempos depois nos textos “Psicologia de grupo e análise do ego” (1921), “O ego e o id” (1923a) e “Moisés e o monoteísmo” (1939).

Através desse mito, Freud pôde demonstrar como o pai devastador primitivo transforma-se no Pai simbólico que dita os códigos da Lei moral e que funciona como aquele que reforça as exigências do supereu, através do cumprimento dos mandamentos e das regras sociais.