segunda-feira, 26 de julho de 2010

Resenha do texto “A significação do falo” de Lacan (1958/1998)

O texto “A significação do falo” se situa no primeiro ensino de Lacan, em que predomina a lógica do significante e a relação da estrutura de linguagem à lógica do inconsciente.


Lacan se lança, principalmente na década de 50, em um retorno ao sentido de Freud, com o objetivo de desenvolver a afirmação de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, ou seja, que a fala e a linguagem ocupam lugar central na experiência psicanalítica: “o sentido de um retorno a Freud é um retorno ao sentido de Freud” (1955/1998: 406).

Para tal, ele procura estabelecer a relação entre o Édipo e o simbólico, tal como ele nos apresenta no texto “A significação do falo”. Ali ele destaca que “o complexo de castração inconsciente tem uma função de nó“ (1958/1998: 692), ou seja, que é a partir do complexo de castração, ao operar uma função de lei, que o sujeito é inscrito na ordem simbólica, enquanto dividido, desejante. Da mesma forma, sob a barra da castração e do recalque, o sujeito se inscreve na ordem fálica, que exerce a função de regulação do gozo sexual.

Contudo, a apreensão do falo enquanto significante requer um passagem do sujeito do campo da demanda para o campo do desejo. E como isso acontece?

Lacan (1958/1998: 697-698) nos explica que: a) a demanda é algo distinto da satisfação por que clama, b) ela é demanda de uma presença e ausência, c) suas características são elididas na noção de frustração.

Assim, recorrendo ao O seminário, livro 4: as relações de objeto, destacamos a definição do conceito de frustração: “é considerada como um conjunto de impressões reais, vividas pelo sujeito num período de desenvolvimento em que sua relação com o objeto real está centrada habitualmente na imago dita primordial do seio materno” (Lacan, 1956-57/1998: 62). Ou seja, a frustração ocorre quando o objeto real – o seio – ou a mãe se ausentam. Quando a mãe não responde mais ao apelo da criança ela sai da estruturação e se torna real, se torna uma potência. Dessa forma, ocorre uma inversão da posição de objeto: o que até então eram objetos de satisfação tornam-se, por parte da potência materna, objeto de dom.

A transformação do objeto em simbólico, ou seja, a assunção do falo enquanto significante, requer que o sujeito se depare, para além da frustração com a mãe, com “um outro desejo”, que é o desejo do Pai: “é através do Édipo que o desejo genital é assumido e vem tomar lugar na economia subjetiva” (Lacan, 1957-58/1998: 371). É, portanto, por intermédio do desejo do Pai, e do significante falo, que se introduz o para-além da relação com a fala do Outro materno, ou seja, para além da demanda.

Assim, em relação à frustração, o pai proíbe a mãe – objeto real – ao filho, na medida em que intervém sobre essa relação incestuosa. No nível da privação, o pai é o objeto preferido em relação à mãe, desta forma o menino o elege como modelo, como ideal do eu, como aquele com quem passa a se identificar. E no que diz respeito à castração, trata-se de uma intervenção do pai real como uma ameaça imaginária sobre um falo imaginário, que ainda não alçou o valor simbólico, significante.

A passagem do campo da demanda para o campo do desejo é explicada de modo detalhado por Lacan (1957-58/1998: 197-203) quando ele apresenta os três tempos do complexo de Édipo. O primeiro tempo, da demanda, é caracterizado pela relação dual, imaginária, entre a criança e a mãe, em que a criança tem a ilusão de complementaridade com o corpo da mãe. Do mesmo modo, a criança se identifica de forma especular com o falo imaginário – objeto de desejo materno –, ela é o falo que falta à mãe. Nessa primeira fase do complexo de Édipo o pai se encontra de fora dessa tríade.

No segundo tempo do complexo de Édipo, o Pai intervém no desejo da mãe através da proibição do incesto, ele age como o agente da castração, numa presença privadora, como suporte da lei. É a palavra do Pai, que retira a criança do lugar de objeto, e a liga à vida e aos objetos do mundo.

No terceiro tempo, ocorre o declínio do Édipo, no qual a criança, através da continuidade da incidência do Pai na díade imaginária com a mãe, se posiciona diante do falo e encontra no Pai o suporte identificatório, na medida em que ele tem o falo que a mãe deseja. O menino sai, então, da posição de ser o falo da mãe para a posição de ter um falo (ibidem, p. 200).

Segundo Lacan o que está em jogo no declínio do Édipo é que a criança assuma o falo como significante, que saia da posição de engodo imaginário com a mãe. A saída de sua posição de objeto de desejo do outro materno só é possível com a entrada do Pai interditando a relação incestuosa. Desta forma, a criança vai perceber que existe algo mais-além da mãe, já que é o Pai quem tem aquilo que falta à mãe e que ela deseja: o falo (ibidem, p. 206). Como efeito da dissolução do complexo, a criança identifica-se ao Pai, ao mesmo tempo em que começa a se formar o supereu como instância reguladora das satisfações pulsionais.
Os conceitos apresentados e desenvolvidos acima colocam pontos importantes em relação ao manejo transferencial na clínica psicanalítica, tal como o cuidado para não obstruir a emergência do desejo do paciente face a satisfação de suas demandas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LACAN, J. (1955) “A Coisa freudiana”. Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

_________. (1956-57) O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.

_________. (1957-58) O Seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

_________. (1958) “A significação do falo”. Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

GOZO SADIANO OU GOZO IMPOSSÍVEL: CONTRIBUIÇÕES PARA A ÉTICA DA PSICANÁLISE

Em Kant com Sade, Lacan (1962) retoma Sade para apontar que ele faz aparecer a verdade escondida em Kant: que o sujeito não é UM, e sim dividido. O grafo do fantasma sadiano demonstra uma “divisão contínua do sujeito que é ordenada pela experiência” (ibidem, p. 785) e não mais pela razão pura, assim como defendia Kant.

Sade apresenta essa divisão através da dialética entre a vítima e o carrasco. Ao defender que é a vítima que atribui o gozo ao Outro ele assinala que há algo mais além da lei e do desejo que determinam essa relação: o gozo. O gozo nesse momento do ensino de Lacan surge como gozo real, impossível, que só é alcançado através da transgressão, assim como o faz Sade. Segundo Sade as vontades do sujeito não correspondem a um bem universal, e o imperativo superegóico não é mais de proibição. A máxima sadiana promove o imperativo do gozo “Tenho o direito de gozar de teu corpo, pode dizer-me qualquer um, e exercerei esse direito, sem que nenhum limite me detenha no capricho das extorsões que me dê gosto de nele saciar” (ibidem, p. 780).

Com o objetivo de esclarecer a relação entre o desejo, a lei e o gozo, Lacan (1959-60: 237) em O seminário, Livro 7: A ética da psicanálise, retoma o mandamento “amarás ao próximo como a ti mesmo”. Esse mandamento nos remete aos fenômenos caracterizados como “estranhos”: uma distância íntima entre o sujeito e o Outro, que faz com que o Outro se apresente em duas faces – assim como nos elucida Julien (1996) –uma feita a nossa imagem e semelhança, e outra face que está além do semelhante, que compreende o real da Coisa, das Ding. Podemos incluir essa segunda face na dimensão do mais-além do princípio do prazer, de algo que não está subordinado à lei do bem, mas sim ao enigma do gozo do Outro. Cumprir esse mandamento é impossível, pois amar ao próximo é se aproximar do que nos é mais estranho, mas ao mesmo tempo mais próximo, ou seja, cumprir esse mandamento é se aproximar do gozo. Desse modo, o recuo diante do mandamento “amarás ao próximo como a ti mesmo”, é o mesmo diante do gozo. O sujeito recua, portanto, diante da imagem do outro que carrega um furo, do outro castrado que o remete a sua própria castração.

O termo freudiano das Ding – A Coisa – significa o objeto que está para sempre perdido e por isso mesmo marcado pela eterna busca de reencontrá-lo. Esse movimento, ligado à busca da coisa perdida que falta no lugar do Outro, é causa de sofrimento, que nunca erradica por completo a busca do gozo. Ao considerar das Ding como gozo real, fora do sistema, afirma, portanto, que só temos acesso a este através de um forçamento, por via da transgressão à Lei. O gozo de Sade seria a expressão dessa transgressão, na medida em que ele tenta permanentemente ultrapassar os limites do princípio de prazer, transgredir a lei, transgredir “todos os limites humanos” (ibidem, p. 245).

Miller (2000: 91) em Os seis paradigmas do gozo equivale o gozo real, impossível, ao gozo sadiano, trata-se de uma satisfação verdadeira, que não se encontra no registro simbólico ou no imaginário, posto que é da ordem do real. Segundo ele, se a Lei moral de Kant é um enunciado simbólico que comporta a anulação de todo o gozo em prol de um bem universal, Sade é aquele que fala de uma satisfação que está mais além do princípio do prazer e mais além do simbólico, fora de todo significante e do significado.

Essas pontuações oferecem contribuições importantes para pensarmos a Ética da Psicanálise, assim como Lacan pontua no capítulo “o gozo da transgressão” do seminário A ética da psicanálise. Podemos aqui tentar pensar com Lacan: como a clínica psicanalítica pode se servir da proposta de Sade?

Essa é uma discussão que merece ser levada a frente, pois não é raro vermos em nosso campo profissionais que desconsideram a dimensão do real e do gozo presentes na clínica. A psicanálise nos ensina que não podemos nos basear em universais do bem como guia de tratamento na experiência analítica; contrária a universalização a psicanálise propõe a singularidade, e considera que os objetos se tornam desejáveis de acordo como cada um se serve da fantasia.

Aqui uma citação de Lacan nos ajuda e nos instiga a continuar essa discussão:

O que o analista tem a dar, contrariamente ao parceiro do amor, é o que a mais linda noiva do mundo não pode ultrapassar, ou seja, o que ele tem. E o que ele tem nada mais é do que seu desejo, como o analisado, com a diferença de que é um desejo prevenido. O que pode ser, propriamente falando, o desejo do analista? Desde já, podemos no entanto dizer o que ele não pode ser. Ele não pode desejar o impossível (Lacan, 1959-60: 360)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

JULIEN, Philippe (1996). O estranho gozo do próximo: ética e psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
LACAN, J. (1959-60). O seminário, Livro 7: A ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
_________ (1962). “Kant com Sade”. in Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
MILLER, J-A (2000). Os seis paradoxos do Gozo. In La cause freudiene nº43.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

PONTUAÇÕES SOBRE A COMPULSÃO À REPETIÇÃO NO CASO “O HOMEM DOS RATOS”

O caso do “Homem dos Ratos” publicado por Freud em 1909 nos oferece importantes contribuições para a definição psicanalítica da neurose obsessiva. No caso trabalhado pelo autor, fica evidente o quanto a dúvida e dívida do neurótico obsessivo têm uma relação direta com o pai.
Segundo Freud (1924), o pai edipiano permanece como um ideal e continua a exercer sua autoridade através do supereu. Porém na neurose obsessiva o sujeito se fixa de tal modo no pai ideal, que o supereu retorna de um modo feroz: exige a renúncia do gozo causando inibição, impulsos compulsivos, proibições e atos obsessivos.
No caso do “Homem dos Ratos” a figura paterna era tão forte que ele falava do pai como se ainda fosse vivo. A identificação com o pai como fracassado tornava suas dívidas impossíveis de serem pagas, como foi o caso do pince-nez (Freud, 1909: 149). Ao ser tão devedor como o pai o “Homem dos Ratos” evitava superá-lo.
A compulsão à repetição que passa a ser marcante na vida do “Homem dos Ratos” nos remete ao ponto que não pode ser enunciado e que retorna: o impedimento de superar o pai, pois se isso acontecesse o pai perderia seu valor de ideal.
Diante da dívida impossível de pagar, a história se reduplica e o “Homem dos Ratos” reatualiza a dívida do pai e faz de tudo para não conseguir pagá-la. Diferente da histérica, o recalque no obsessivo é mal-sucedido, por isso ele repete num ponto de real.
Lacan (1964) em O seminário livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise define o conceito de compulsão à repetição como um encontro com o real. O real é aquilo que “retorna sempre ao mesmo lugar, a esse lugar onde o sujeito não o encontra” (ibidem, p. 52), ou seja, o real é isso que não cessa de não se inscrever, é esse ponto onde o inassimilável se produz.
A compulsão à repetição aponta um mais além do princípio do prazer. Freud (1900-1901) evidencia essa relação por meio da análise que faz de um sonho. Nesse sonho um pai, que deveria velar o filho morto, deixa um velho vigiando o corpo do menino e vai descansar num quarto ao lado. Em algum momento o pai adormece e sonha que o filho está de pé ao seu lado e lhe diz “Pai, não vês que estou queimando?”. Nesse momento o pai desperta e vê que realmente o corpo do filho estava queimando por conta de uma vela que caíra sobre ele enquanto o velho que o vigiava dormira. Esse sonho corrobora com a tese de que o sonho é uma realização de desejo – porque além do filho estar vivo no sonho o pai também realiza o desejo de continuar dormindo –, porém aponta um novo elemento, algo mais além do princípio do prazer.
Deste modo, o caráter de compulsão à repetição presente nesse sonho cria um entrave à oposição entre princípio do prazer/princípio de realidade. Tal impasse, retomado por Freud em textos posteriores, culminou na formulação de um novo dualismo pulsional entre a pulsão de vida à pulsão de morte. Na medida em que a pulsão de morte é incluída no aparelho psíquico a repetição deixa de ser uma “recordação” ou um retorno às experiências traumáticas para ser uma tentativa de vincular a energia que permaneceu não ligada.
Lacan (1964: 56) em O seminário livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise retoma a questão da repetição para assinalar que ela pode se apresentar de dois modos: através do autômaton e da tiquê. O autômaton é o retorno, a insistência dos signos comandada pelo princípio do prazer. Há também na repetição a função da tiquê: encontro com faltoso, traumático, com o real, que comporta algo de inassimilável.
Ainda nesse Seminário Lacan (ibidem, p. 59) retoma o sonho de “Pai não vês que estou queimando?” para dizer que um ruído, talvez das velas queimando, chamou o pai ao real. Assinala a presença de uma realidade faltosa, que teria causado a morte da criança por febre, e para o remorso do pai por ter deixado o corpo do filho sendo velado por um velho que talvez não desse conta da tarefa. O “pecado do pai” foi não estar à altura de sua função de velar o filho morto:

O filho morto, pegando o pai pelo braço, visão atroz, designa um mais-além que se faz ouvir no sonho. O desejo aí se presentifica pela perda imajada ao ponto mais cruel, do objeto. É no sonho somente que se pode dar a esse encontro verdadeiramente único. Só um rito, um ato sempre repetido, pode comemorar esse encontro imemorável (Ibidem: 60).

O fenômeno da compulsão à repetição tão presente na análise de obsessivos nos aponta para algo a ser trabalhado aí, pois o ponto de real que insiste clama pela elaboração, na tentativa de dar sentido a algo que permanece enigmático. Se o obsessivo recobre seu desejo pela demanda – na medida em que faz de tudo para ser completo, e também para fazer do Outro completo – ao tentar preencher o furo que lhe é constituinte, a análise aponta para a falta, para a emergência do desejo e para a construção de um saber-fazer aí com esse ponto de real que persiste em retornar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREUD, Sigmund. (1900-1901). “A interpretação dos sonhos”. in Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: ESB, vol. XIII . Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_______________. (1909). “Notas sobre um caso de neurose obsessiva”. in Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: ESB, vol. X. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_______________ (1924). “A dissolução do complexo de Édipo”. in Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: ESB, vol. XIX, op. cit.
LACAN, J. (1964). O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1979.

A FUNÇÃO DO PAI NO CASO DO PEQUENO HANS

Para discorrermos sobre a função do pai no caso Hans partiremos do caso Hans (1909), associado à leitura dos “três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905) e textos que assinalem a questão do complexo de Édipo.
Inicialmente Hans se encontra no que Lacan define como “paraíso” com a mãe, relação dual, imaginária, a ilusão de complementaridade com o corpo da mãe. Nessa relação a criança é objeto de desejo da mãe, é o falo que falta a ela.
Porém há um momento em que se rompe essa relação dual: o encontro com o traumático, o real que faz furo no imaginário. As experiências traumáticas são o nascimento da irmã e as experiências masturbatórias. Elas furam a relação de engodo imaginário, pois defrontam Hans com algo externo ao paraíso, o que acontece quando seu próprio pênis começa a se tornar real, falo como um órgão fora do corpo, e o nascimento da irmã que rompe sua relação de unicidade com a mãe.
A partir desse momento Hans elege um objeto à condição de significante para dar conta da falta simbólica. O objeto fóbico (Cavalo) é uma proteção contra angústia que advém de sua relação com a mãe.
No capítulo IV de “Inibição, sintoma e angústia” (1926), Freud define a fobia como um sintoma substituto para algo que foi recalcado (impulso hostil contra o pai). A fobia de Hans “eliminou os dois principais impulsos do complexo edipiano – sua agressividade para com o pai e seu excesso de afeição pela mãe” (Freud, 1926: 109).
Vale destacar que se para Freud o objeto fóbico “cavalo” aparece como substituto do pai, Lacan dá ao cavalo e aos outros elementos da fantasia não uma função metafórica e sim metonímica, de deslizamento, por exemplo, o cavalo que representa num primeiro momento a mãe, por último o pai e ainda o pequeno Hans.
Segundo Freud (1909: 47), a angústia de Hans possui dois componentes: o medo de seu pai e medo por seu pai: “O primeiro derivava de sua hostilidade para com seu pai, e o outro derivava do conflito entre sua afeição, exagerada a esse ponto por um mecanismo de compensação, e sua hostilidade”. Assim, ele tinha tanto medo que o cavalo o mordesse (que o pai o castrasse), como que o cavalo caísse (morte do pai).
Podemos aqui pensar que a construção fóbica de Hans está estritamente relacionada com a função paterna e que, portanto, é essa função exercida pelo pai que encaminha a solução da fobia. A fobia é uma solução à deficiência paterna através da eleição de um objeto que alça o valor de significante e assim funciona como suplência que sustenta a função do pai real.
A fobia surge, como nos ensina Lacan, por causa da carência do pai real, é porque o pai não funciona como agente da castração que Hans não pode sair da posição Edípica (amor pela mãe e ódio pelo pai). Uma fantasia que ilustra o Édipo de Hans é aquela em que há duas girafas, uma girafa grande e outra amassada, representando o órgão genital da mãe. Na fantasia ele se senta na girafa grande, que representaria seu pai, e com isso ele tomaria posse da mãe.
Lacan analisa que mesmo Hans tendo tomado posse da mãe na fantasia, o pai não reage com raiva. Hans chega a dizer “você deve estar com raiva, você deve estar com ciúmes” (Lacan, 1956-57: 269), mas o pai não reage diante do Édipo apresentado pelo filho.
A fobia se deve, então, a carência do pai real. Segundo Lacan, Hans, filho único, nadava em felicidade. A mãe o cercava de carinhos, tudo lhe era permitido (inclusive ficar no leito dos pais) e o pai não tinha o controle da situação, não apresentava nenhuma ameaça de castração ao pequeno Hans (Lacan, 1956-57: 227). Hans não é frustrado em nada, não é privado pelo pai de seus prazeres: “vemos ao longo de toda a observação o pequeno Hans reagir à intervenção do pai real. Sua colocação na estufa, sob o fogo cruzado da interrogação paterna, mostra ter sido favorável nele a uma verdadeira cultura da fobia” (ibidem, p. 263). Lacan assinala que a fobia de Hans foi intensificada pela ação do pai.
A posição do pai simbólico, como nos diz Lacan, permanece velada, na medida em que ocupa a posição de pai imaginário ao tentar diminuir a culpa de Hans, explicando que sua fobia é uma bobagem, que ele pode olhar os cavalos, que o falo desejado (na mãe) não existe etc.
Lacan assinala que na verdade quem exerce o papel de Pai para Hans é Freud, o “pai superior”, aquele “a quem a palavra se revela como testemunho da verdade”. O pai de Hans diante de seu não-saber o que é ser um pai o demanda a Freud e a partir daí é o professor quem traça o encaminhamento da solução da fobia do menino através das orientações dada ao pai.
Podemos dizer que através da construção de fantasias é que Hans consegue dar conta da castração. Com a fantasia de que um bombeiro “lhe dava um pipi maior” ele supera o medo da castração e soluciona a fobia. O bombeiro que lhe desparafusa, coloca a dimensão do objeto como removível, objeto de troca situado fora do corpo. Com isso o falo se torna significante, aparelhado de uma mobilidade simbólica.