segunda-feira, 12 de julho de 2010

PONTUAÇÕES SOBRE A COMPULSÃO À REPETIÇÃO NO CASO “O HOMEM DOS RATOS”

O caso do “Homem dos Ratos” publicado por Freud em 1909 nos oferece importantes contribuições para a definição psicanalítica da neurose obsessiva. No caso trabalhado pelo autor, fica evidente o quanto a dúvida e dívida do neurótico obsessivo têm uma relação direta com o pai.
Segundo Freud (1924), o pai edipiano permanece como um ideal e continua a exercer sua autoridade através do supereu. Porém na neurose obsessiva o sujeito se fixa de tal modo no pai ideal, que o supereu retorna de um modo feroz: exige a renúncia do gozo causando inibição, impulsos compulsivos, proibições e atos obsessivos.
No caso do “Homem dos Ratos” a figura paterna era tão forte que ele falava do pai como se ainda fosse vivo. A identificação com o pai como fracassado tornava suas dívidas impossíveis de serem pagas, como foi o caso do pince-nez (Freud, 1909: 149). Ao ser tão devedor como o pai o “Homem dos Ratos” evitava superá-lo.
A compulsão à repetição que passa a ser marcante na vida do “Homem dos Ratos” nos remete ao ponto que não pode ser enunciado e que retorna: o impedimento de superar o pai, pois se isso acontecesse o pai perderia seu valor de ideal.
Diante da dívida impossível de pagar, a história se reduplica e o “Homem dos Ratos” reatualiza a dívida do pai e faz de tudo para não conseguir pagá-la. Diferente da histérica, o recalque no obsessivo é mal-sucedido, por isso ele repete num ponto de real.
Lacan (1964) em O seminário livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise define o conceito de compulsão à repetição como um encontro com o real. O real é aquilo que “retorna sempre ao mesmo lugar, a esse lugar onde o sujeito não o encontra” (ibidem, p. 52), ou seja, o real é isso que não cessa de não se inscrever, é esse ponto onde o inassimilável se produz.
A compulsão à repetição aponta um mais além do princípio do prazer. Freud (1900-1901) evidencia essa relação por meio da análise que faz de um sonho. Nesse sonho um pai, que deveria velar o filho morto, deixa um velho vigiando o corpo do menino e vai descansar num quarto ao lado. Em algum momento o pai adormece e sonha que o filho está de pé ao seu lado e lhe diz “Pai, não vês que estou queimando?”. Nesse momento o pai desperta e vê que realmente o corpo do filho estava queimando por conta de uma vela que caíra sobre ele enquanto o velho que o vigiava dormira. Esse sonho corrobora com a tese de que o sonho é uma realização de desejo – porque além do filho estar vivo no sonho o pai também realiza o desejo de continuar dormindo –, porém aponta um novo elemento, algo mais além do princípio do prazer.
Deste modo, o caráter de compulsão à repetição presente nesse sonho cria um entrave à oposição entre princípio do prazer/princípio de realidade. Tal impasse, retomado por Freud em textos posteriores, culminou na formulação de um novo dualismo pulsional entre a pulsão de vida à pulsão de morte. Na medida em que a pulsão de morte é incluída no aparelho psíquico a repetição deixa de ser uma “recordação” ou um retorno às experiências traumáticas para ser uma tentativa de vincular a energia que permaneceu não ligada.
Lacan (1964: 56) em O seminário livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise retoma a questão da repetição para assinalar que ela pode se apresentar de dois modos: através do autômaton e da tiquê. O autômaton é o retorno, a insistência dos signos comandada pelo princípio do prazer. Há também na repetição a função da tiquê: encontro com faltoso, traumático, com o real, que comporta algo de inassimilável.
Ainda nesse Seminário Lacan (ibidem, p. 59) retoma o sonho de “Pai não vês que estou queimando?” para dizer que um ruído, talvez das velas queimando, chamou o pai ao real. Assinala a presença de uma realidade faltosa, que teria causado a morte da criança por febre, e para o remorso do pai por ter deixado o corpo do filho sendo velado por um velho que talvez não desse conta da tarefa. O “pecado do pai” foi não estar à altura de sua função de velar o filho morto:

O filho morto, pegando o pai pelo braço, visão atroz, designa um mais-além que se faz ouvir no sonho. O desejo aí se presentifica pela perda imajada ao ponto mais cruel, do objeto. É no sonho somente que se pode dar a esse encontro verdadeiramente único. Só um rito, um ato sempre repetido, pode comemorar esse encontro imemorável (Ibidem: 60).

O fenômeno da compulsão à repetição tão presente na análise de obsessivos nos aponta para algo a ser trabalhado aí, pois o ponto de real que insiste clama pela elaboração, na tentativa de dar sentido a algo que permanece enigmático. Se o obsessivo recobre seu desejo pela demanda – na medida em que faz de tudo para ser completo, e também para fazer do Outro completo – ao tentar preencher o furo que lhe é constituinte, a análise aponta para a falta, para a emergência do desejo e para a construção de um saber-fazer aí com esse ponto de real que persiste em retornar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREUD, Sigmund. (1900-1901). “A interpretação dos sonhos”. in Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: ESB, vol. XIII . Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_______________. (1909). “Notas sobre um caso de neurose obsessiva”. in Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: ESB, vol. X. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_______________ (1924). “A dissolução do complexo de Édipo”. in Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: ESB, vol. XIX, op. cit.
LACAN, J. (1964). O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1979.

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