terça-feira, 29 de novembro de 2011

A função da escrita na psicose


A partir de um caso de psicose paranóica apresentado por Freud, o caso Schreber, pretendo destacar que a escrita pode operar como um ponto de estabilização, ou mesmo como diria Lacan um ponto de amarração dos três registros: Real, Simbólico e Imaginário.

Nossa investigação sobre a função da escrita no caso Schreber coloca uma pergunta inicial acerca da função da escrita na psicose. Verificamos na clínica da psicose que estes escrevem como os neuróticos falam. Ou seja, enquanto na neurose o inconsciente, recalcado, emerge a partir dos tropeços na fala (lapso, ato falho), na psicose o inconsciente fica exposto, a céu aberto.

Lacan enfoca, especificamente, a relação do sujeito com a linguagem para estudar a psicose ao afirmar que “em torno dos fenômenos de linguagem mais ou menos alucinados, parasitários, estranhos, intuitivos, persecutórios de que se trata no caso Schreber, que vamos esclarecer uma dimensão nova na fenomenologia das psicoses” (Lacan, 1955-56, p. 120). Assim, ele centra sua investigação sobre a psicose no remetimento dos fenômenos (delirantes e alucinatórios) a uma estrutura de linguagem, que o conduz a afirmação que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”.

Desse modo, ele apresenta, em O seminário, livro 3: as psicoses, uma mudança do paradigma fenomenológico para o paradigma estrutural. Se em sua primeira tese sobre a paranóia intitulada Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade ele apresentou o estudo do caso Aimée influenciado por Jaspers e pela fenomenologia, a tese sobre a psicose que desenvolverá posteriormente, em seu primeiro ensino, foi influenciada por Clérambault e pelo estruturalismo. Ele retoma os fenômenos de automatismo mental descritos por Clérambault para aplicá-los à análise de Daniel Paul Schreber – cujas memórias serviram para que Freud (1911) analisasse a psicose paranóica. Situa os fenômenos manifestos na psicose de uma nova forma, não mais puramente descritiva, mas explicativa, além de assinalar a presença de uma quebra da cadeia discursiva na psicose.

O argumento de Lacan, neste momento de seu ensino, é que apesar dos fenômenos serem compreendidos na experiência analítica através do simbólico, do imaginário e do real, é pela via do simbólico que se realiza o diagnóstico diferencial neurose-psicose (Lacan, 1955-56, p. 18-20). Dessa forma, a investigação psicanalítica sobre o diagnóstico baseia-se na estrutura da linguagem, na relação do sujeito com o significante.

A psicose é caracterizada pela não-inscrição de um significante fundamental – o Nome-do-Pai. A foraclusão desse significante impede ao sujeito a entrada na ordem simbólica, e tem como efeito a produção de fenômenos elementares, como a alucinação, que consiste no retorno no real daquilo que foi foracluído na ordem simbólica (ibidem, p. 21).

Apesar do psicótico transitar no nível simbólico, ele não reconhece o significante Nome-do-Pai, foracluído da estrutura, por isso a função da mediação simbólica é substituída pela ploriferação imaginária. Assim, enquanto há psicóticos que vivem compensados pela identificação imaginária, outros remanejam o significante e criam uma metáfora, como se constata na construção delirante de Schreber de uma língua fundamental ou de A mulher de Deus, fazendo existir A mulher que não existe.

Lacan (1957-58, p. 584) localiza o desencadeamento da psicose no encontro com a falta do significante Nome-do-Pai, como é o caso de Schreber em que o encontro com Um pai – quando assume um lugar de presidência no tribunal – promove o surgimento dos fenômenos elementares. Outro efeito da perda da realidade na psicose – termo que Lacan (ibidem, p. 57) toma emprestado de Freud – é o não estabelecimento ou afrouxamento da relação entre o significado e o significante.

No entanto, a relação particular de cada psicótico com a linguagem cria a possibilidade de construção de uma nova realidade através do recurso ao delírio, que pode levar a uma estabilização. Tal foi o caso de Schreber que através da construção da metáfora delirante “sou mulher de Deus” (ibidem, p. 76) pode substituir a metáfora inoperante do Nome-do-Pai. Em outras palavras, ele pôde dar uma resposta, ou um tratamento, aos fenômenos elementares que o invadiam – como os raios, os nervos divinos, e vozes que falavam com ele. Em outras palavras, a construção da metáfora delirante representou uma suplência ao Nome-do-Pai foracluído.

O que nos leva a entender a Obra escrita de Schreber – Denkwürdigkeiten eines Nervenkranken [Memórias de um doente dos Nervos] – como uma forma de suplência, de sutura no ponto onde o Nome-do-Pai foi foracluído no simbólico. De modo que a escrita teve a função de estabilização e de enlaçamento social, o (re) ligando ao campo do Outro.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Sobre a Repetição

Anotações sobre a Noite Preparatória da AMP, na EBP/RJ dia 31/10/2011.

Serge Cottet
Psicanalista e Professor-Doutor do Département de Psychanalyse de Paris VIII

O conceito de repetição implica a ordem simbólica, o inconsciente, a cadeia significante.
Na concepção freudiana era descrita como a repetição do mesmo. Assim, no início de seus estudos preponderava a relação entre a repetição e o simbólico.
O analizante repete no lugar de recordar, segundo Freud assinala no texto "Recordar, repetir e elaborar" (1914). O sujeito repete porque recalca. Repete porque na análise se dá um tratamento aos sintomas.
Lacan inicialmente subescreveu essa visão imaginária da repetição, por exemplo através da análise do caso Dora, em que destacou a "matriz imaginária", a concepção imaginária da repetição, os automatismos de repetição.
A vida amorosa é o terreno privilegiado dessa repetição. O exemplo da "Gradiva de Jansen" ilustra como o sujeito não sabe qual é o objeto perdido que o parceiro vem substituir.
O motor da repetição é, dessa forma, o encontro, ou poderíamos dizer, o reencontro com o objeto perdido.
No seminário "De um Outro ao outro", Lacan diz que não se pode mais sustentar a repetição a partir do binário: cópia e similar ("matriz imaginária"). Assim, formula que há uma anulação do traumático (disso que retorna sempre no mesmo lugar, o real) pelo significante, como podemos observar na bricadeira da criança descrita por Freud nomeada como Fort-Da.
Desse modo, o que repete é o desegradável, algo além do princípio do prazer, e não a reparação do objeto perdido. O traumático insiste e é impossível de ser simbolizado.
Diante desse real, do traumático que insiste, e que observamos através dos novos sintomas no contemporâneo isso aumentado pela relação entre o sujeito e sua certeza de gozo, como no caso da toxicomania, surge a pergunta sobre a direção de tratamento dessas sintomatologia no contemporâneo. A resposta é de uma direção que vá além da interpretação freudiana e aponta para algo que é preciso "avisar" do perigo do real para os sujeitos

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A verdade é irmã do gozo.

"A vida e a verdade formam um casal inédito, que não tem o hábito de passear de mãos dadas pelos jardins do Campo Freudiano... E é precisamente porque a verdade fala que não sabemos o que ela quer... A vida, ao contrário, não fala. É talvez por esta razão que sabemos o que ela quer. Ela quer se transmitir, durar, jamais acabar. Os corpos vivos morrem. A vida, ela não morre". Miller, J-A. Opção Lacaniana, nº41.

Sobre o conceito de verdade, Lacan o desenvolve em seu ensino a partir da teoria dos discursos. Ele introduz o conceito de estrutura pela via do discurso. Desde seu encontro com a linguagem o sujeito já é marcado por uma perda de gozo. No intervalo entre os significantes - S1 e S2 - emerge o sujeito como tal, o sujeito barrado, o sujeito do inconsciente, marcado tanto por uma perda como pela possibilidade, acesso, a uma parcela de gozo.
A verdade aparece aí como irmã do gozo, tal como assinala Lacan em O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise. A verdade revela algo do inconsciente e também uma satisfação, gozo, própria das formações sintomáticas. Assim, trazer a verdade a tona, através da experiência analítica, é abrir para a possibilidade de tratamento do gozo, sempre considerando a resistência, a transferência a a repetição características do funcionamento psíquico.