terça-feira, 20 de março de 2012

"Pai, não vês que estou queimando?"

Através dessa frase, "Pai, não vês que estou queimando?", Freud apresenta a pergunta de um filho a um pai, pergunta que surge no sonho e denuncia a existência de algo mais além da mera realização de desejo. Esse é um sonho de um pai que velava o filho morto, apresentado por Freud em "A interpretação dos sonhos". O homem se encontrava num quarto ao lado do filho morto e deixara um velho vigiando o corpo do menino. Em algum momento o pai adormece e sonha que o filho está de pé ao seu lado e lhe diz “Pai, não vês que estou queimando?”. Nesse momento o homem desperta e vê que realmente o corpo do filho estava queimando por conta de uma vela que caíra sobre ele enquanto o velho que o vigiava dormira.

Esse sonho corrobora a tese de que o sonho é uma realização de desejo – na medida em que no sonho o filho se encontrava vivo –, porém aponta um novo elemento: o sentimento de culpa (Freud, 1900-1901, p. 587). Por isso podemos localizar na análise desse sonho os antecedentes do conceito do supereu, tal como Freud assinala em uma nota de rodapé acrescentada ao texto em 1930: “este seria o local apropriado para uma referência ao ‘superego’, uma das descobertas posteriores da psicanálise – Uma classe de sonhos que constitui uma exceção à ‘teoria do desejo’”.

Lacan (1964, p. 60) destaca que, apesar do sonho analisado por Freud confirmar a teoria do desejo –, pois o filho está vivo e o pai pode continuar dormindo –, este também aponta para a existência de algo além da fantasia e para o “pecado do pai”, destacado por Freud como "sentimento de culpa", que é não estar à altura de sua função de velar o filho morto:

O filho morto, pegando o pai pelo braço, visão atroz, designa um mais-além que se faz ouvir no sonho. O desejo aí se presentifica pela perda imajada ao ponto mais cruel, do objeto. É no sonho somente que se pode dar a esse encontro verdadeiramente único. Só um rito, um ato sempre repetido, pode comemorar esse encontro imemorável.

quarta-feira, 7 de março de 2012

A posição feminina e a posição histérica

Quando ouvimos falar em posição feminina e posição histérica podemos nos confundir em relação a esses termos, e muitas vezes acharmos que eles são similares.

Contudo Carolina Rovere, em "Caras del goce femenino", marca essa diferença. Para tal cita Lacan no Seminário 3. Apesar de ser um livro dedicado a psicose, Lacan apresenta dois capítulos em que fala sobre a pergunta histérica. O que interessa na pergunta colocada na histeria é precisamente o que a diferencia do mecanismo da psicose. A neurose como estrutura se organiza ao redor de uma pergunta, enquanto que a psicose é a clínica da reposta, como observamos no famoso caso de paranóia trabalhado por Freud, o caso Schreber, em que tal paciente sabia o que era ser uma mulher, não havia dúvidas em relação a isso.

A pergunta da histérica é "o que é ser uma mulher?". Tal pergunta se coloca porque o sexo feminino é enigmático, nunca se sabe se uma mulher está realmente gozando ou não. Enquanto o gozo do homem, gozo fálico, não tem nada de enigmático, ele não pode fingir, não pode enganar.

Retornando à diferença entre a posição feminina e a posição histérica, Carolina Rovere assinala que a posição feminina é a identificação ao objeto paterno, ao objeto de desejo do pai. Por outro lado a posição histérica se trata de uma identificação imaginária ao pai, como é o caso descrito por Freud de Elisabeth Von R. que após a morte do pai se identificou ao lugar que o mesmo ocupava, no lugar do filho homem que o pai sempre desejou ter. Também através do caso Dora observamos a identificação imaginária ao pai realizada pela histérica, em que o sintoma da paciente (afonia) trazia o signo da impotência paterna.

Sugiro a leitura desse livro de Carolina Rovere, da Editora Letra Viva, de Buenos Aires, em que a psicanalista se aprofunda na investigação do gozo feminino.