VIEIRA, M. A. . Algumas considerações sobre o amor, a paixão e o afeto. In: Ribeiro, M. A.; Motta, M.. (Org.). Os
destinos da pulsão. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1997, v. , p. 131-144.
Marcus André Vieira
Membro da EEP – Membro da EBP
Retirado do site: www.litura.com.br
O afeto,
pulsão e gozo
Podemos
afirmar, como primeira aproximação, que o afeto é associado por Freud à pulsão
e podemos mesmo supor que o afeto para o Freud dos primeiros escritos seria o
nome do real, do trauma de uma energia não descarregável, do qual se destacará
mais tarde a pulsão. Deixemos de lado, entretanto, esta primeira concepção do
afeto em Freud e examinemos dois momentos onde Freud define o afeto com relação
à pulsão. O primeiro consiste em seus textos metapsicológicos de 1915. Freud
fornece-nos aí a definição de afeto mais difundida na literatura psicanalítica,
encontrada, por exemplo, no dicionário de Laplanche e Pontalis.
O afeto é
apreendido de um ponto de vista econômico, definindo-se como o caráter subjetivo
da descarga de uma quantidade determinada de energia pulsional acumulada. Ele
ficará associado à noção de descarga, de movimento e de energia acumulada, sendo
tido como um fenômeno da esfera psicofisiológica, que nasce e se realiza no
real do corpo, tendo a consciência como centro.
O segundo
momento é Inibição, sintoma e angústia. Neste texto, a angústia como afeto
básico não terá mais a noção de descarga como traço constitutivo fundamental,
mas sim a de sinal do eu com relação a um perigo interno que se liga a uma
perda associada à castração. A angústia-sinal é agora a recriação de uma
situação traumática mítica, definida como afluxo de "estímulos" e de
idéias insuportavelmente desagradáveis porque não podem ser
"dominadas psiquicamente". A relação do afeto com a pulsão deixa de
ser decisiva. O fato que os
dois possam ser descritos como metáforas energéticas passa para um segundo plano
pois o que interessa é a angústia como re-criação do trauma fundamental,
instaurando a castração como condição estrutural para o fala-ser.
Resumindo as
duas concepções de afeto em suas relações com a pulsão temos então:
1.Um processo psicofisiológico de descarga,
um extra energético que tem sua origem no corpo, concebido como um corpo
real, biológico, de onde se origina a pulsão.
2.Uma reação do sujeito à castração, um
processo simbólico exterior ao campo biológico--
corporal,
que só se inscreve em uma causalidade fisiológica às custas de modificações
redutoras,
pois define-se aqui a partir da relação do sujeito com uma perda.
O percurso
de Freud indica que a concepção explícita em 1 deve ser lida a partir de
2.
Ao
procedermos deste modo desvela-se a noção de um extra energético que é também
uma perda, ou que está articulado a uma perda fundamental. Tanto o afeto quanto
a pulsão vão ser compreendidos com relação a este excesso que, como vimos, não
tem nenhuma conotação fisiológica ou energética e que associa-se à falta
fundamental. Um dos esforços maiores de Lacan foi traduzir conceitualmente esta
noção de "excesso de uma falta" através do conceito de gozo. Este,
traduz o que da negatividade fundamental do homem aparece (porque coberto pelo
simbólico) como um excesso, um "em demasia". Ele distingue-se do
prazer, e sua definição só pode ser negativa: ele é aquilo que "não serve
para nada"6, que não tem existência no mundo do significante, pois foi
expulso quando da instauração do simbólico.
Ele se situa
antes da instauração do simbólico, que constitui a distinção entre corpo e
alma.
(invertido)
Em 1 inscreve-se a
concepção platônica, evidente em São Tomás de Aquino assim como em Descartes.
Ela comporta um conflito entre corpo e alma, ou seja, entre um sujeito não
dividido (que constituirá o sujeito da ciência) e seu corpo - fonte de todas as
paixões - que deve ser colocado sob o domínio da razão. Para Freud não há uma oposição
entre afetos e razão, ou entre pulsão e razão. A indicação freudiana de que
a pulsão está entre somático e psíquico, sugere que ela está além/aquém
desta oposição e não em uma posição híbrida no interior dela.