domingo, 16 de setembro de 2012

Algumas considerações sobre o amor, a paixão e o afeto



VIEIRA, M. A. . Algumas considerações sobre o amor, a paixão e o afeto. In: Ribeiro, M. A.; Motta, M.. (Org.). Os

destinos da pulsão. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1997, v. , p. 131-144.


Marcus André Vieira

Membro da EEP – Membro da EBP

Retirado do site: www.litura.com.br

O afeto, pulsão e gozo
Podemos afirmar, como primeira aproximação, que o afeto é associado por Freud à pulsão e podemos mesmo supor que o afeto para o Freud dos primeiros escritos seria o nome do real, do trauma de uma energia não descarregável, do qual se destacará mais tarde a pulsão. Deixemos de lado, entretanto, esta primeira concepção do afeto em Freud e examinemos dois momentos onde Freud define o afeto com relação à pulsão. O primeiro consiste em seus textos metapsicológicos de 1915. Freud fornece-nos aí a definição de afeto mais difundida na literatura psicanalítica, encontrada, por exemplo, no dicionário de Laplanche e Pontalis.
O afeto é apreendido de um ponto de vista econômico, definindo-se como o caráter subjetivo da descarga de uma quantidade determinada de energia pulsional acumulada. Ele ficará associado à noção de descarga, de movimento e de energia acumulada, sendo tido como um fenômeno da esfera psicofisiológica, que nasce e se realiza no real do corpo, tendo a consciência como centro.
O segundo momento é Inibição, sintoma e angústia. Neste texto, a angústia como afeto básico não terá mais a noção de descarga como traço constitutivo fundamental, mas sim a de sinal do eu com relação a um perigo interno que se liga a uma perda associada à castração. A angústia-sinal é agora a recriação de uma situação traumática mítica, definida como afluxo de "estímulos" e de idéias insuportavelmente desagradáveis porque não podem ser "dominadas psiquicamente". A relação do afeto com a pulsão deixa de ser decisiva. O fato que os dois possam ser descritos como metáforas energéticas passa para um segundo plano pois o que interessa é a angústia como re-criação do trauma fundamental, instaurando a castração como condição estrutural para o fala-ser.
Resumindo as duas concepções de afeto em suas relações com a pulsão temos então:
1.Um processo psicofisiológico de descarga, um extra energético que tem sua origem no corpo, concebido como um corpo real, biológico, de onde se origina a pulsão.
2.Uma reação do sujeito à castração, um processo simbólico exterior ao campo biológico--
corporal, que só se inscreve em uma causalidade fisiológica às custas de modificações
redutoras, pois define-se aqui a partir da relação do sujeito com uma perda.
O percurso de Freud indica que a concepção explícita em 1 deve ser lida a partir de 2.
Ao procedermos deste modo desvela-se a noção de um extra energético que é também uma perda, ou que está articulado a uma perda fundamental. Tanto o afeto quanto a pulsão vão ser compreendidos com relação a este excesso que, como vimos, não tem nenhuma conotação fisiológica ou energética e que associa-se à falta fundamental. Um dos esforços maiores de Lacan foi traduzir conceitualmente esta noção de "excesso de uma falta" através do conceito de gozo. Este, traduz o que da negatividade fundamental do homem aparece (porque coberto pelo simbólico) como um excesso, um "em demasia". Ele distingue-se do prazer, e sua definição só pode ser negativa: ele é aquilo que "não serve para nada"6, que não tem existência no mundo do significante, pois foi expulso quando da instauração do simbólico.
Ele se situa antes da instauração do simbólico, que constitui a distinção entre corpo e alma.
(invertido) Em 1 inscreve-se a concepção platônica, evidente em São Tomás de Aquino assim como em Descartes. Ela comporta um conflito entre corpo e alma, ou seja, entre um sujeito não dividido (que constituirá o sujeito da ciência) e seu corpo - fonte de todas as paixões - que deve ser colocado sob o domínio da razão. Para Freud não há uma oposição entre afetos e razão, ou entre pulsão e razão. A indicação freudiana de que a pulsão está entre somático e psíquico, sugere que ela está além/aquém desta oposição e não em uma posição híbrida no interior dela.

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