quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Considerações sobre “o mito individual do neurótico”

Em “o mito individual do neurótico”, Lacan (1953, p.14) ressalta a importância de se introduzir no mito freudiano algumas modificações estruturais necessárias para a compreensão das vivências relatadas pelos sujeitos neuróticos em análise. Nesse texto, ele assinala que o complexo de Édipo se baseia no conflito fundamental amor-ódio em relação ao pai, mas destaca que a experiência se estende entre a imagem degradada do pai e a relação simbólica com o mesmo.
Para elucidar a estrutura da neurose obsessiva, marcada pela tensão agressiva e fixação pulsional, Lacan se utiliza de um caso clínico analisado por Freud, o Homem dos Ratos. Nesse caso, podemos observar tanto a impossibilidade do simbólico em recobrir a pulsão de morte, já que a inscrição do significante Nome-do-Pai na estrutura não encobre a agressividade, como a presença de um pai degradado, humilhado.
O autor analisa um esquema fantasmático que se repete sintomaticamente na história de vida do paciente e o nomeia como mito individual do neurótico. Os sujeitos neuróticos retomam, em suas relações, a estrutura básica que advém da constelação familiar, ou seja, das “relações familiares fundamentais que estruturam a união de seus pais” (Lacan, 1953, p.19). 
Lacan (1953, p.21-24) apresenta como elementos do mito familiar do Homem dos Ratos certa desvalorização do pai, que faz um casamento vantajoso com a mãe, e uma dívida que tem com um amigo que ao lhe emprestar uma soma de dinheiro passa a ser seu salvador. O que se repete sintomaticamente, então, é o conflito mulher rica / mulher pobre, que marca o desencadeamento de sua neurose quando o pai o pressiona a se casar com uma mulher rica, e a questão da dívida do pai com o amigo, retomada quando o sujeito se vê na situação de ter que reembolsar uma soma em dinheiro pelo envio de um par de óculos que havia perdido, que ele toma para si como um dever neurótico.
Lacan utiliza esse caso como um exemplo para apontar uma mudança na própria estrutura do complexo de Édipo, diferente do esquema triangular criança-mãe-pai, onde o pai tem a função de interditar o desejo incestuoso pela mãe. Essa crítica ao esquema tradicional do Édipo se faz a partir da introdução de um quarto elemento, de modo que um sistema quaternário passa a substituir a tríade clássica. Para que se possa compreender do que se trata na estrutura quaternária, Lacan destaca a função simbólica do pai, em que a função exercida pelo Nome-do-Pai de promover o recobrimento do real pelo simbólico é sempre incompleta “o pai é sempre, por algum lado, um pai discordante com relação à sua função, um pai carente, um pai humilhado” (Lacan, 1953, p.40).
 

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