sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O pai mítico de "Totem e Tabu"

 



Freud escreveu o texto "Totem e Tabu" em 1912-1913 para falar do pai mítico, o pai da horda primeva. Sabemos que a função paterna é fundamental para a constituição da neurose, e sua não operatividade para a constituição de uma estrutura psicótica.

Freud retoma Charles Darwin, o qual apresentou uma hipótese acerca do estado dos homens primitivos, para desenvolver sua teoria do pai primordial. Segundo Darwin, em um período remoto, os homens viviam em grupos ou hordas, onde o macho mais velho e forte dominava os outros e impedia a promiscuidade sexual (Darwin apud Freud, ibidem, p. 131).

Com base nisso Freud descreve o tipo mais primitivo de uma organização social: a horda primeva. O mito do pai totêmico expressa a violência deste pai da horda primeva e seus ciúmes, ele possuía todas as mulheres e as proibia aos demais membros da tribo. Para tal, expulsava os filhos quando chegavam à idade adulta para que não fossem uma ameaça ao seu domínio.
Freud entende que, em algum momento, os filhos expulsos da tribo se reúnem e retornam à horda para matar e devorar o pai. Para terem acesso ao gozo interditado pelo pai, os filhos assassinam esse pai terrorífico que desencadeava angústia. Ao matá-lo, os irmãos colocam fim à horda patriarcal, mas ao devorá-lo se identificam com o pai primitivo com o intuito de adquirir sua força. No banquete totêmico eles repetiamm e comemoravam em grupo esse “ato memorável e criminoso, que foi o começo de tantas coisas: da organização social, das restrições morais, da religião” (ibidem, p. 145).

Desse modo, o sentimento de culpa que poderia advir desse ato é aliviado porque todos do clã participam da refeição. Porém a comunidade de irmãos não teve sucesso na organização da sociedade, na medida em que são tomados por um grande sentimento de culpa diante da irrupção, sob a forma de remorso, do sentimento de afeição recalcado, da ambivalência amor-ódio em relação ao pai. Ao colocarem o ódio em prática através do assassinato do pai, o amor que estava recalcado surgiu sob a forma de remorso. Esse sentimento de culpa fez com que o pai se tornasse mais forte do que quando era vivo. Como tentativa de solução ao sentimento de culpa, os filhos instituem novas leis, entre elas a proibição do ato criminoso através da proibição da morte do totem confirmado como substituto do pai: “criaram assim, do sentimento de culpa filial, os dois tabus fundamentais do totemismo, que, por essa própria razão, corresponderam inevitavelmente aos dois desejos reprimidos do complexo de Édipo: o homicídio e o incesto” (ibidem, p. 147).

Assim, observamos que a cultura e a organização social não foram alcançadas com a morte do pai, somente com o pacto feito entre os irmãos, baseado na renúncia e na partilha. Desse modo, foi necessário que eles deificassem o pai morto para resgatar os tabus e restrições morais necessárias à vida civilizada, assim como Freud afirma nesse texto monumental e repete tempos depois nos textos “Psicologia de grupo e análise do ego” (1921), “O ego e o id” (1923a) e “Moisés e o monoteísmo” (1939).

Através desse mito, Freud pôde demonstrar como o pai devastador primitivo transforma-se no Pai simbólico que dita os códigos da Lei moral e que funciona como aquele que reforça as exigências do supereu, através do cumprimento dos mandamentos e das regras sociais.

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