terça-feira, 6 de abril de 2010

A psicanálise e os "novos sintomas"

Apesar de ser um tema muito discutido na atualidade, as toxicomanias permanecem como um desafio para a clínica psicanalítica porque expressam uma formação sintomática diferente daquela submetida ao inconsciente. Estamos inclinados a considerá-las um fenômeno que deixa em suspenso o sintoma e produz uma ruptura nas estruturas de ficção de verdade e do real, por conta do curto-circuito pulsional que a droga opera.
Deste modo, a toxicomania é considerada, na atualidade, como a forma princeps dos “novos sintomas”, e acarreta para os analistas e profissionais de saúde uma dificuldade no diagnóstico diferencial, na medida em que as estruturas clínicas são mascaradas pelo objeto-droga e o toxicômano apresenta resistência ao tratamento clínico, como efeito de uma falta de demanda e dificuldade de estabelecimento da relação transferencial.
Miller[1] retoma o texto “Inibição, sintoma e angústia” no Seminário intitulado "O parceiro-sintoma". Ele se esforça em definir a categoria de sintoma no ensino de Lacan e o situa em relação ao simbólico, ao imaginário e ao real. O autor localiza quatro momentos distintos de formulação do sintoma. Se no primeiro ensino de Lacan, o sintoma era considerado, de maneira similar a Freud, como uma formação do inconsciente, o sintoma passa a ser considerado, num segundo momento, ao lado do real, não mais como uma formação de compromisso, e sim de ruptura com os semblantes. O sintoma pode ainda ser um mediador entre semblante e o real ou entrar como o quarto elemento na série imaginário, simbólico e real, como o que faz amarração dos três registros.
Deste modo, percebemos uma mudança fundamental em relação à definição clássica do sintoma freudiano, que defendia como chave do sintoma a castração, pois Lacan define o sintoma como modo de gozo, como um meio da pulsão expressar a impossibilidade de sua satisfação plena, impossível de se decifrar.
A toxicomania se inclui nos “novos sintomas”, já que se apresenta de uma nova forma, não mais como retorno do recalcado, mas como uma ruptura com o que Lacan definiu como discurso do mestre, equivalente ao discurso do inconsciente. O imperativo do discurso da ciência e do capitalismo, na atualidade, precipita o surgimento de “novos sintomas”, que não obedecem, em sua essência, a definição do que representa, classicamente, um sintoma analítico. São os objetos produzidos pelo discurso da ciência e do capitalismo, e não mais o Outro, que assumem o lugar de ideal para o sujeito.
Esse panorama, acerca das diferentes funções da droga para os sujeitos, nos coloca as dificuldades na direção do tratamento, que apontam tanto para um trabalho de restituição do Outro, como para o esforço clínico de criação da demanda e resgate do sujeito do inconsciente. É preciso, deste modo, um percurso clínico para que o toxicômano reconheça, para além do fenômeno que provavelmente o trouxe para o atendimento, o sintoma do qual padece. Trata-se, então, de substituir o “novo sintoma”, a toxicomania, que não está submetida à estrutura de linguagem, pelo sintoma analítico: de situar a diferença entre o excesso decorrente do uso da droga e o que faz sintoma para o sujeito.
[1] MILLER, J.-A. - El partenaire-síntoma. Buenos Aires: Paidós, 2008
*Este texto foi extraido do meu trabalho intitulado "Toxicomania e Semblante", publicado nos anais da XIX Jornadas Clínicas da EBP-RJ e ICP-RJ, em 2009.

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